Vez por outra, um negócio bilionário chama a atenção em Brasília pelo valor, pelas circunstâncias ou pelos personagens envolvidos. No caso da venda de 12 usinas térmicas da Eletrobras na região amazônica, arrematadas pela Âmbar Energia, dos irmãos Joesley e Wesley Batista, foi tudo isso junto.
As usinas eram oferecidas na praça desde julho de 2023 e, em bom português, eram um mico. A principal cliente, a distribuidora Amazonas Energia, está quebrada e inadimplente, e a dívida acumulada de R$ 9 bilhões com as térmicas cresce R$ 150 milhões a cada mês. Quem comprasse o pacote levaria junto o calote, o que dificultava aos interessados fazer suas propostas. Até que a Âmbar ofereceu R$ 4,7 bilhões — e levou.
O anúncio do negócio, no último dia 10, intrigou o mercado, que ficou se perguntando como a conta fechava. Dois dias depois, uma Medida Provisória (MP) do governo Lula sanou a curiosidade. Numa tacada, a MP repassou os R$ 150 milhões mensais do custo das usinas para as contas de luz de todos os consumidores brasileiros. Só isso já eliminou o risco e fez o mico arrematado por Joesley e Wesley ficar bem mais bonito e cheiroso. Mas tem mais.
A MP também dá 60 dias para a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) criar uma solução para a Amazonas Energia. Pelas regras atuais, a concessão teria de ser devolvida à União, que seria obrigada a assumir a distribuidora e o prejuízo de R$ 2 bilhões a R$ 4,7 bilhões por ano.
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Como o governo não quer a distribuidora falida, mas ninguém a comprará do jeito como está, a MP autoriza a agência regulatória a flexibilizar as regras para que uma empresa assuma o negócio.
E aí vem outra “surpresa” boa para os Batistas. O contrato de compra das térmicas prevê que, se a Âmbar também comprar a Amazonas Energia, poderá transformar a dívida de R$ 9 bilhões em participação societária da Eletrobras. Isso coloca a companhia em vantagem para levar também a distribuidora já saneada sem desembolsar mais nenhum real — e passar a dominar o fornecimento de energia na Região Norte.
Num espaço de 48 horas, o mico adquirido por Joesley e Wesley se transformou em príncipe cobiçado, graças à MP assinada pelo ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira. A transação deixou indócil a oposição, que apertou Silveira na Câmara dos Deputados em audiência na semana passada. O ministro disse que a MP já era estudada havia meses e que o fato de ter saído apenas dois dias depois da compra foi “mera coincidência”.
No caso da Âmbar, porém, as coincidências se repetem. Em setembro do ano passado, a empresa comprou da Eletrobras outra usina que também era um mico, Candiota, no Rio Grande do Sul.
Movida a carvão e sem nenhum contrato, a usina estava prestes a fechar. Mas, 15 dias depois do negócio, surgiu na Câmara um Projeto de Lei do senador Paulo Paim (PT-RS) prorrogando a autorização de funcionamento por mais 15 anos e incluindo a usina no Programa de Transição Energética Justa — também com o custo distribuído nas contas de luz, sob o pretexto de garantir emprego aos carvoeiros.
O projeto não chegou a ser votado, mas a extensão das concessões de usinas a carvão já surgiu em forma de jabuti noutro Projeto de Lei que está no Senado Federal que, em tese, seria destinado apenas a regulamentar as usinas eólicas em alto-mar.
Tancredo Neves dizia que em política não existem coincidências. Silveira, mineiro como Tancredo, certamente conhece a máxima — e conhece também a habilidade negocial dos Batistas.
Na era da Lava-Jato, eles fecharam uma delação com o Ministério Público Federal e entregaram a cabeça do então presidente Michel Temer e de uma série de políticos. Em 2023, quase conseguiram um desconto de R$ 6,8 bilhões na multa de R$ 10,3 bilhões que tinham de pagar como parte do acordo — o benefício acabou cancelado depois de rachar o MP.
Em dezembro passado, fecharam com o Ministério de Minas e Energia um acordo para intermediar a venda de energia da Venezuela a Roraima, que deve render à Âmbar algo como R$ 1,7 bilhão.
Negociado em sigilo pela empresa diretamente com os venezuelanos, o acordo acabou revelado antes da hora, o que levou a oposição a propor uma CPI que nunca saiu e o governo brasileiro a incluir mais empresas na transação.
O Globo