Mortes de crianças indígenas disparam com Lula e entidade cobra solução

O Conselho Missionário Indigenista (Cimi) apontou que 1.040 crianças indígenas entre 0 e 4 anos morreram no país em 2023, de acordo com dados do relatório anual da entidade divulgados nesta terça (23). O número é 24,55% maior do que em 2022 e reflete uma dificuldade do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em implementar as promessas feitas durante a campanha eleitoral, de reduzir a violência e ampliar os cuidados com essa população.

Segundo o Cimi, que já apoiou a gestão petista, o último ano do governo de Jair Bolsonaro (PL) registrou a morte de 835 crianças indígenas nesta faixa etária, principalmente nos estados do Amazonas, Roraima e Mato Grosso. No primeiro ano da terceira gestão de Lula, a maior quantidade dos óbitos se repetiu nos três estados – veja na íntegra aqui os dados de 2022 e aqui os de 2023.

“Foram identificados pelo menos 670 casos de recém-nascidos e crianças com até 4 anos de idade que morreram por causas evitáveis – ou seja, em decorrência de enfermidades, transtornos e complicações que poderiam ter sido controladas por meio de ações de atenção à saúde, imunização, diagnóstico e tratamento adequados”, diz o relatório que aponta uma “omissão do poder público” com os indígenas.

O governo tem ocultado dados sobre os óbitos de yanomamis, mas informações divulgadas de 2023 já revelavam que Lula e seus ministros não conseguiram aplacar a histórica tendência de crescimento nas mortes, frequentemente atribuída ao aumento do garimpo, dos casos de malária e da desnutrição. Mais do que isso, o atual Executivo teve números piores que os do anterior. Em 2023, houve um aumento de 5,8% nas mortes em relação a 2022 na terra yanomami.

Entre as causas para as mortes, o relatório do Cimi destaca uma maioria por gripe e pneumonia (141); diarreia, gastroenterite e doenças infecciosas intestinais (88) e desnutrição (57). Também chama atenção a quantidade de mortes decorrentes de doenças causadas por protozoários (26), como malária, toxoplasmose e leishmaniose.

Os dados foram apurados no Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) e na Secretaria de Saúde Indígena (Sesai), ambos os órgãos ligados ao Ministério da Saúde. O Cimi passou a contabilizar a partir deste ano os casos de morte por desassistência à saúde com base nos dados do SIM e da Sesai, o que explica o aumento de casos registrados em relação aos anos anteriores.

À Gazeta do Povo, o Ministério dos Povos Indígenas (MPI) informou que tem o compromisso com a proteção dos direitos indígenas e que, com a eleição de Lula, foram desenvolvidas políticas públicas voltadas à “defesa intransigente da melhoria das condições de vida” destes povos “após herdar um cenário de sucateamento, desmonte e negacionismo no tocante ao meio ambiente, saúde e política indigenista”.

O MPI informou que a Sesai presta assistência a mais de 760 mil indígenas em todo o país por meio dos 34 distritos sanitários especiais indígenas (DSEIs). “Considerando a nova edição do relatório publicado pelo Cimi, no último ano, a Secretaria de Saúde Indígena (SESAI) intensificou a atuação de fortalecimento da saúde e do bem viver indígena em diversas frentes”, entre elas a erradicação da mortalidade na infância indígena, ações de vigilância alimentar, nutricional e psicossocial, entre outros.

O Cimi reconhece que o aumento na quantidade de mortes decorrentes de causas evitáveis aconteceu mesmo com a declaração de Emergência Nacional de Saúde pelo governo, principalmente com a força-tarefa voltada à situação do povo Yanomami na região Norte do país. No entanto, a entidade afirma que a comoção inicial com o que se revelou no início do governo Lula deu lugar à realidade política que “se impôs”.

“Os povos indígenas recebem […] o desprezo político, jurídico e social de muitos setores de nossa República”, escreve o cardeal Leonardo Ulrich Steiner, arcebispo de Manaus (AM) e presidente do Cimi.

Entre os motivos, diz a entidade, estão a queda de braço entre o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal (STF) na discussão do marco temporal para a demarcação das terras indígenas, a redução dos trabalhos de proteção às comunidades, os baixos orçamentos voltados aos ministérios envolvidos, entre outros.

“A disposição do governo federal em explorar petróleo na foz do Amazonas, a priorização orçamentária ao agronegócio e o apoio a grandes projetos de infraestrutura e de exploração minerária em conflito com povos indígenas, como a ferrovia ‘Ferrogrão’ e as investidas de empresas estrangeiras sobre o território Mura, no Amazonas, também compuseram este cenário”, aponta o relatório.

Em um âmbito mais generalizado, o Cimi aponta que, em 2023, foram registrados 276 casos de invasões possessórias, exploração ilegal de recursos naturais e danos diversos ao patrimônio em, pelo menos, 202 territórios indígenas em 22 estados do país.

E apenas 8 terras indígenas foram homologadas no período, “um número aquém das expectativas, mesmo sendo maior que o dos últimos anos” dado o que se esperava do que foi prometido na campanha eleitoral de Lula em 2022.

“Os parcos avanços nas demarcações refletiram-se na intensificação de conflitos, com diversos casos de intimidações, ameaças e ataques violentos contra indígenas, especialmente em estados como Bahia, Mato Grosso do Sul e Paraná”, completa a entidade.

Por outro lado, o MPI afirmou à Gazeta do Povo que “a instabilidade gerada pela lei do marco temporal (lei 14.701/23), além de outras tentativas de se avançar com a pauta, como a PEC 48, tem como consequência não só a incerteza jurídica sobre as definições territoriais que afetam os povos indígenas, mas abre ocasião para atos de violência que têm os indígenas como as principais vítimas”.

A pasta disse, ainda, que o Departamento de Mediação e Conciliação de Conflitos Fundiários Indígenas (DEMED) que acompanha os casos de violência e age imediatamente em situações de conflito, e que, junto da Funai, tem enviado equipes para atuar nos diferentes estados e resolver ataques contra indígenas com o apoio de forças de segurança em nível nacional e estadual.

O relatório do Cimi revelou, também, uma falta generalizada de infraestrutura escolar em aldeias de todo o país e de pessoal e transporte para o atendimento à saúde nas comunidades indígenas. A falta de saneamento básico e de água potável, aponta, foram agravadas pela crise climática que provocou enchentes em outras regiões e severa estiagem na região amazônica, “aprofundando a vulnerabilidade de diversas comunidades”.

MPI diz que Yanomamis são prioridade

O MPI insistiu à Gazeta do Povo que colocou a questão do território Yanomami como prioridade desde a posse do presidente Lula, instalando um Gabinete de Crise para organizar e acelerar ações necessárias de proteção e apoio à saúde e assistência.

Segundo a pasta, uma redução de 73% nos alertas de garimpo na Terra Indígena Yanomami, de 378 entre janeiro e abril de 2023 para 102 no mesmo período de 2024, evidenciaria os resultados obtidos.

A pasta afirmou que: “Entre 2023 e 2024, foram destinados mais de R$ 2,3 bilhões para apoio ao povo Yanomami, envolvendo diversos ministérios e órgãos. Foi criada a Casa de Governo em Roraima para coordenar ações e aprimorar a logística. A Casa de Saúde Indígena foi reformada e os polos de saúde regionais foram reabertos, aumentando o número de profissionais de 690 em 2022 para 1.256 em 2023”.

Segundo o MPI, em junho deste ano, foram realizados 9.683 procedimentos médicos e odontológicos no baixo Rio Branco, beneficiando 675 pessoas. Desde o início de 2023, operações de desintrusão teriam permitido que equipes de saúde chegassem a mais comunidades após a retirada dos invasores, ampliando o alcance da assistência aos indígenas.

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