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O empresário veneziano do século XVI que escreveu o primeiro best-seller sobre dieta

Em seu aclamado livro “Outlive: A Arte e a Ciência de Viver Mais e Melhor” (editora Intrínseca), o oncologista americano Peter Attia — um dos maiores especialistas do mundo em longevidade — defende a ideia de que a medicina ainda segue um modelo ultrapassado. E propõe uma estratégia mais personalizada e proativa, marcada por medidas a serem tomadas bem antes dos primeiros sintomas.

Espécie de manifesto pessoal do autor, que passou a se dedicar ao assunto após descobrir uma doença cardiovascular, a obra também recorre a exemplos históricos para mostrar práticas saudáveis que ainda fazem sentido.

Como o de Alvise Cornaro, um empresário veneziano do século XVI que, com um regime alimentar relativamente rigoroso, conseguiu prolongar sua vida com boa saúde até os 80 anos. Leia no trecho a seguir.

A primeira pessoa a efetivamente colocar em prática a ideia de comer menos, de forma rigorosa e documentada, não foi um grego antigo nem um cientista moderno, mas um empresário veneziano do século XVI chamado Alvise Cornaro.

Um incorporador imobiliário que começou do zero e ficou extremamente rico drenando pântanos e transformando-os em terras produtivas, Cornaro (cujos amigos chamavam de “Luigi”) tinha uma bela e jovem esposa e uma casa de campo nos arredores de Veneza com seu próprio teatro. Ele adorava dar festas.

Mas, ao se aproximar dos 40 anos, começou a padecer de “uma série de enfermidades”, como ele mesmo escreveu — dor de estômago, ganho de peso e sede contínua, um sintoma clássico de pré-diabetes. A causa era óbvia: banquetes demais.

A cura era igualmente óbvia: acabar com as refeições e festanças opulentas, aconselharam os médicos. Luigi não queria abrir mão do seu estilo de vida ostentoso. Mas, à medida que os sintomas foram piorando, ele percebeu que precisava fazer uma severa correção de curso, caso contrário não veria a filha crescer.

Reunindo toda a sua força de vontade, ele adotou uma dieta espartana que consistia em cerca de 350 gramas de comida por dia, geralmente na forma de algum tipo de ensopado à base de frango. Era nutritivo, mas não satisfazia muito. “[Eu] constantemente me levanto da mesa com vontade de comer e beber mais”, escreveu ele mais tarde.

Depois de um ano nesse regime, a saúde de Cornaro melhorou drasticamente. Como ele mesmo registrou: “Eu me vi (…) inteiramente livre de todas as minhas queixas.”

Ele manteve a dieta, e, quando chegou aos 80 anos, estava tão feliz por ter vivido tanto, com tão boa saúde, que se sentiu compelido a compartilhar o segredo com o mundo. Então, escreveu um relato autobiográfico intitulado “Tratado da vida sóbria” — ainda que definitivamente não fosse um discurso de abstêmio, pois ele acompanhava o seu ensopado da longevidade com duas generosas taças de vinho todos os dias.

As prescrições de Cornaro sobreviveram por muito tempo depois de sua morte, em 1565. Nos séculos seguintes, o livro foi reimpresso em vários idiomas, elogiado por Benjamin Franklin, Thomas Edison e outros luminares, tornando-se talvez o primeiro livro de dieta da História a se tornar um best-seller.

Mas foi somente em meados do século XX que os cientistas começaram a colocar rigorosamente à prova a ideia de que comer menos pode prolongar a vida de uma pessoa (ou, pelo menos, a vida de animais de laboratório).

Não estamos falando de inscrever animais no Vigilantes do Peso. A restrição calórica (RC) sem desnutrição é um método experimental preciso em que um grupo de animais (controle) é alimentado ad libitum, o que significa que eles comem o quanto quiserem, enquanto o grupo ou grupos de teste recebem uma dieta semelhante contendo todos os nutrientes necessários, mas com 25% ou 30% menos calorias totais (aproximadamente).

Os animais em dieta restritiva são então comparados com os do grupo de controle. Os resultados têm sido notavelmente consistentes.

Segundo estudos que datam da década de 1930, limitar a ingestão calórica pode aumentar a vida útil de camundongos ou ratos em algo em torno de 15% a 45%, dependendo da idade em que tem início a dieta e do grau de restrição.

Não só isso, como os animais subalimentados também parecem ser visivelmente mais saudáveis para a idade que têm, desenvolvendo menos tumores espontâneos do que os camundongos alimentados normalmente.

A RC parece melhorar tanto a expectativa de vida quanto o healthspan [o tempo de vida saudável das pessoas]. Alguém poderia pensar que a fome não é nada saudável, mas, na verdade, os cientistas descobriram que quanto menos alimentavam os animais, mais eles viviam. Esses efeitos parecem estar, até certo ponto, associados à dosagem, quase como o que ocorre com um medicamento.

O impacto da RC na longevidade parece praticamente universal. Inúmeros laboratórios descobriram que restringir a ingestão calórica aumenta a expectativa de vida não apenas em ratos e camundongos (as cobaias mais comuns), mas também em leveduras, vermes, moscas, peixes, hamsters, cães e até, inusitadamente, aranhas.

Foi constatado que a RC aumenta a vida útil em quase todos os organismos-modelo em que foi testada, com a curiosa exceção das moscas domésticas. Parece que, em geral, os animais subalimentados se tornam mais resistentes e aptos a sobreviver, pelo menos em um ambiente controlado e livre de germes como um laboratório.

No entanto, isso não significa que eu recomendo a restrição calórica radical como tática para meus pacientes. Por um lado, a eficácia da RC permanece em questão fora do laboratório; animais magros demais podem ser mais suscetíveis à morte por infecção ou baixas temperaturas.

E se, por um lado, comer um pouco menos funcionou bem para Luigi Cornaro, assim como para alguns dos meus pacientes, para a maioria das pessoas é difícil, se não impossível, manter uma restrição calórica severa no longo prazo.

Além disso, não há evidências de que a RC extrema realmente maximize a função da longevidade em um organismo tão complexo como o do ser humano, que vive em um ambiente com maior grau de variação do que os animais citados.

Apesar de parecer provável que ela reduza o risco de sucumbir a pelo menos alguns dos cavaleiros, parece igualmente provável que o aumento na taxa de mortalidade devido a infecções, traumas e fragilidade ofusque esses ganhos.

O verdadeiro valor da pesquisa sobre a restrição calórica está nos insights que ela proporcionou para nossa compreensão do processo de envelhecimento em si.

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