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É possível aprender com os “erros” de Moraes & Cia.?

Esta é a última coluna do ano. Claro que gostaria de vir aqui e falar de um ano que já recebeu a extrema-unção e de um ano que está para nascer. Em vez disso, porém, estou aqui falando desse personagem que, infelizmente, dominou o noticiário e, por consequência, minhas crônicas em 2024. Pena enésima vez. Me refiro àquele personagem do qual cansei – e cansei muito. Ele que, com um pouco de exagero, posso dizer que é o principal motivo para eu estar precisando urgentemente de férias.

Diante da prisão arbitrária, cruel e, francamente, sádica do ex-deputado Daniel Silveira, porém, comecei a pensar se havia algum lição a se tirar de mais esse erro (é, chamemos de “erro) de Alexandre de Moraes. Há. Sempre há. E a principal dessas lições é que precisamos defender o cidadão do poder imensuravelmente maior do Estado. Sempre. Por mais que desgostemos do sujeito. Por mais que ele seja doidinho e mau-caráter. E por mais que ele seja um adversário político-ideológico.

Conversa vai, conversa vem

Digo isso porque estava batendo um papo ainda há pouco com um amigo. Conversa vai, conversa vem, concordamos que havia um parcela da chamada direita que, por revolta contra a corrupção e a criminalidade, as duas maiores marcas dos governos petistas, defendiam que os Direitos Humanos fossem sempre relativizados. E olha que eu nem estou falando dos defensores da pena de morte ou dos admiradores de torturadores, hein.

Oportunismo tentador

Estou falando de quem defendia a ampliação do conceito de “bandido” para incluir desafetos e pessoas-com-a-cara-das-quais-eu-não-vou. E que agora vê esse conceito ampliado para incluir adversários políticos do atual regime. Trata-se de um oportunismo tentador ao qual nenhum tirano resiste: o de perverter o apelo popular (no caso, o desejo de que houvesse menos impunidade), usando um anseio legítimo a seu bel-prazer.

Outra tentação

Daí a importância de não ceder a outra tentação típica do nosso tempo: o uso de soluções aparentemente fáceis para problemas extremamente complexos. E de defender valores sempre por princípio, e não circunstancialmente, com base em animosidades ideológicas, em narrativas ou em, sei lá, intuições. Sabe aquela coisa de exigir que a lei seja aplicada em toda a sua severidade contra um sujeito só porque você não vai com a cara dele? Então.

Nevah evah

Outra lição que a gente pode aprender com esse nosso tempo que já foi chamado de sombrio, mas que prefiro chamar de trevoso: jamais, em hipótese alguma, nevah evah permita que uma instituição extrapole o poder a ela originariamente atribuído só porque ela parece estar fazendo a sua vontade em determinado momento histórico. Serve para o STF de hoje, a Anvisa de ontem e a Polícia Federal de anteontem. Mas serve também para instituições aparentemente inócuas e que, de repente, se transformam em monstruosidades.

Nóis vai descê pra BC

Digamos, por exemplo, que a Academia Brasileira de Letras decida censurar e prender – sim, prender! – funkeiros e sertanejos que usem incorretamente o português nas letras de suas músicas. Não é porque eu e você não gostamos de erros de português que devemos aplaudir e apoiar algo assim. E eu sei que o exemplo é estapafúrdio e exagerado. É de propósito. Porque tenho certeza de que ao ouvir “Nóis vai descê lá pra BC no finalzin’ do ano” já passou pela sua cabeça a possibilidade de uma aberração gramatical e sonora dessas ser criminalizada.

Humildade, sim

Fora isso, para quem tem olhos de ver e ouvidos de ouvir fica sempre a lição de humildade. Humildade, sim. Porque, ao explicitar o orgulho vaidoso e autoritário de que é escravo, sem querer Alexandre de Moraes ensina o quanto essa exaltação do eu-eu-eu leva à ruína moral um indivíduo que, no afã de se tornar herói para seus pares e para um ou outro trouxa com aquele eterno fio de baba pendendo da boca, acabou se transformando num vilão. Pior: um vilão incapaz de perceber que seu poder, hoje absoluto, é circunstancial. E que, quando as circunstâncias mudarem, amigo, se prepara!

Bora pra Bora Bora!

Agora vou ali terminar de arrumar as malas. Acredita que levarei quase dois dias para chegar a Bora Bora? Logo eu, que não gosto de viajar… Se Deus quiser e meus chefes continuarem querendo, volto à labuta no finalzin’ de janeiro. Com as esperanças e o ânimo renovados, cheio de ideias na cabeça e, com alguma sorte, ainda livre para transformar em crônicas pretensamente heroicas o noticiário de cada dia.

Um abraço do
Paulo.

[Esta coluna é uma reprodução da carta que chega à caixa postal dos assinantes toda sexta-feira. Se você ainda não se inscreveu, lá em cima, logo depois do primeiro parágrafo, tem um campo para isso].

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