Médica e pesquisadora com ampla experiência clínica, a americana Gabrielle Lyon desafia a ideia de que a gordura corporal é o maior inimigo da saúde e coloca o foco nos músculos como o “órgão do futuro”.
No recorte a seguir, a especialista aprofunda a relação entre o excesso de gordura corporal e o risco de demência, argumentando que a preservação da musculatura esquelética pode ser a chave para retardar o declínio cognitivo.
Sabe-se há muito tempo que o sobrepeso e a obesidade afetam negativamente a memória. Inúmeros trabalhos demonstram a correlação entre o excesso de tecido adiposo e a perda de volume cerebral. Agora, estão surgindo evidências que revelam a verdadeira destruição das estruturas cerebrais.
Em 2050, prevê-se que o número de pessoas com demência em todo o mundo atinja 106 milhões. Será que o reconhecimento dos precursores dessa condição debilitante, antes dos sintomas, poderia ajudar a reduzir esse número? Descobertas recentes indicam que sim.
Testemunhei em primeira mão o elo entre o excesso de gordura e as doenças cerebrais durante meu período como pesquisadora residente em obesidade na Universidade de Washington, em Saint-Louis.
Ressonâncias cerebrais de pessoas na casa dos 40 anos revelaram que um aumento da circunferência da cintura está associado a uma redução do volume cerebral. Estudos mais recentes confirmaram essas conclusões.
Um estudo longitudinal, que mediu o diâmetro abdominal de 6.583 indivíduos ao longo de vários anos, concluiu que os participantes com maior diâmetro tinham uma probabilidade quase três vezes maior de desenvolver demência, em relação àqueles com menor diâmetro.
Isso significa que o simples fato de estar com sobrepeso aumenta exponencialmente seu risco de perda de memória
A sociedade nos ensinou a acreditar que os problemas de memória relacionados à idade são inevitáveis. Eu defendo, porém, que os déficits de memória têm relação mais direta com a perda de músculo esquelético do que com a idade.
Se pararmos de aceitar que o declínio da forma física na meia-idade é inevitável será que conseguiremos enxergar a verdadeira correlação com mais clareza?
Como o tamanho da minha cintura pode afetar meu cérebro?
Exatamente como o diabetes, as doenças cardiovasculares e a hipertensão, o Alzheimer é, em alguns casos, uma doença metabólica que pode ser prevenida. Embora seja multifatorial e de fato tenha um componente genético, quero focar aqui em seus aspectos metabólicos, inclusive na relação entre o peso e o controle da glicemia, que contribui para a degeneração cerebral.
Um jeito de entender o Alzheimer é como um “diabetes tipo 3” do cérebro.
Uma meta-análise recente, com 1,3 milhão de pessoas, revelou que um IMC [índice de massa corporal] mais alto, devido ao excesso de gordura, está associado ao aumento do risco de demência, medido mais de 20 anos antes do diagnóstico. Isso significa que os precursores aparecem nada menos do que duas décadas antes do surgimento dos sintomas de memória.
Essas conclusões têm consequências para uma enorme parcela da população. Em 2030, prevê-se que 1,35 bilhão de adultos tenham sobrepeso, sendo que 573 milhões podem ser considerados obesos.
Curiosamente, demonstrou-se que a obesidade aumenta o risco de demência mesmo quando não se tem diabetes tipo 2. A correlação entre o tamanho da cintura e as doenças cerebrais significa que grande parte da demência pode ser prevenida.
Ninguém acorda de repente com esse problema. Pelo contrário, o declínio mental começa com uma escalada gradual de pequenos déficits — problemas para recuperar palavras, processar informações ou recordar-se de onde se deixou algum objeto ou a próxima coisa a fazer.
À medida que essas mudanças se tornam mais óbvias, podem surgir sensações de incômodo e receio com o aumento da vulnerabilidade, o que pode deprimir o humor e reduzir a motivação. Vemos aí outra consequência negativa para a saúde, prevenível, que tem o déficit muscular como raiz.
A perda de memória e a destruição do cérebro estão entre os poucos aspectos fisiológicos que ainda não temos como reverter. Por isso, a prevenção é a melhor estratégia.
Como acabamos de ver, em repetidos casos, um tecido muscular é uma armadura corporal contra uma constelação de doenças debilitantes — do câncer às doenças cardíacas, entre outras. São estados mórbidos que começam com prejuízos aos músculos esqueléticos, dando início a um ciclo perpétuo de desequilíbrio metabólico e problemas de saúde.
Sabemos que escolhas feitas na meia-idade aceleram nossa trajetória de envelhecimento. A perda de músculos esqueléticos significa a perda das mitocôndrias que produzem energia em nossas células.
Não é de surpreender que a queda da produção de energia leve ao cansaço. Esse cansaço, aliado à redução das mitocôndrias, faz você usar menos energia — queimando uma quantidade menor das calorias que consome.
Essas calorias, por sua vez, são armazenadas como gordura, o que leva ao sobrepeso. E assim o ciclo mórbido segue seu curso.
Preservar suas mitocôndrias protegendo os músculos esqueléticos ajudará você a manter sua armadura corporal contra os desequilíbrios metabólicos e o envelhecimento. Então, o que você está disposto a fazer para conceder ao seu corpo a graça da saúde e da longevidade?