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O que diz a lei do século 18 que Trump usou para deportar venezuelanos para El Salvador

A lei, tão antiga quanto os EUA, foi promulgada para evitar espionagem e sabotagem estrangeiras em tempos de guerra. Das ruas de várias cidades dos EUA, como Miami, Houston, Chicago e Nova York, para uma cela no Centro de Confinamento do Terrorismo (Cecot), também conhecido como a “megaprisão” de El Salvador.
Esta foi a jornada feita por mais de 200 venezuelanos, que o governo do presidente americano, Donald Trump, acusa, sem apresentar provas, de fazer parte do temido Trem de Aragua, uma das gangues criminosas mais perigosas da Venezuela.
Para realizar a deportação dos migrantes, que estavam em situação irregular nos EUA, a Casa Branca recorreu a uma lei que é quase tão antiga quanto o próprio país: a Lei de Inimigos Estrangeiros de 1798.
Ao fazer isso, Trump ignorou a ordem de um juiz, que decidiu suspender as expulsões, por considerar que este instrumento legal não poderia ser aplicado neste caso.
Mas, afinal, o que diz a lei, que poderes confere às autoridades, e quando foi a última vez em que foi aplicada? A BBC News Mundo, serviço de notícias em espanhol da BBC, responde a estas e outras perguntas a seguir.
Uma arma para tempos de guerra
A Lei de Inimigos Estrangeiros é uma lei de 227 anos que concede ao presidente a autoridade para ordenar a detenção e expulsão de cidadãos de países com os quais os EUA estão em guerra. Ou seja, nações com as quais está envolvido em hostilidades reais.
A lei, que foi aprovada pelo Congresso com o apoio do então presidente John Adams quando os EUA estavam à beira da guerra com a França, buscava prevenir a espionagem e sabotagem estrangeira.
“Havia muito alarmismo em relação a simpatizantes franceses no país e conspirações para basicamente colocar os EUA do lado da França”, explicou Steve Vladeck, professor do Centro de Direito da Universidade de Georgetown, à Rádio Pública Nacional dos EUA (NPR, na sigla em inglês).
Nos últimos dois séculos, a lei foi aplicada em três ocasiões.
A primeira vez foi em 1812, durante a guerra que os EUA travaram com o Reino Unido, na qual a Casa Branca foi incendiada por tropas britânicas.
As demais aconteceram durante a Primeira (1914-1918) e a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), respectivamente.
Durante o primeiro conflito global, as autoridades dos EUA usaram a lei para aprisionar mais de 6 mil “estrangeiros inimigos”, muitos deles alemães, em campos de concentração, e alguns permaneceram detidos até dois anos após o fim dos combates, informou a NRP, citando informações obtidas dos Arquivos Nacionais.
O US Marshals Service (o Serviço de Delegados de Polícia dos EUA, uma agência do Departamento de Justiça) registrou, por sua vez, 480 mil “estrangeiros inimigos” alemães — e prendeu 6,3 mil entre a declaração de guerra, em abril de 1917, e o armistício, em novembro de 1918.
Décadas depois, durante a Segunda Guerra Mundial, a lei foi usada para permitir a prisão de cidadãos alemães, italianos e, principalmente, japoneses que viviam nos EUA.
Foi assim que mais de 30 mil pessoas passaram o conflito detidas em campos de concentração, após serem consideradas potencialmente perigosas por Washington.
Para justificar sua aplicação agora, em 2025, o presidente Donald Trump emitiu um decreto no sábado (15/03) afirmando que o Trem de Aragua estava “tentando, perpetrando, e ameaçando uma invasão ou incursão predatória contra o território dos EUA”.
E para enfrentar tal ameaça, o presidente ordenou que todos os cidadãos venezuelanos no país que tenham pelo menos 14 anos de idade, que sejam membros do Trem de Aragua e que “não sejam naturalizados ou residentes permanentes legais” sejam “detidos, presos e expulsos por serem inimigos estrangeiros”.
No entanto, o juiz James Boasberg considerou que esta declaração era insuficiente para aplicar a lei, uma vez que a lei foi criada tendo em mente um conflito bélico.
E, por esta razão, ordenou a suspensão das deportações. Mas sua decisão foi ignorada.
“A lei de 1798 é clara no sentido de que uma ‘invasão ou incursão predatória’ deve ser realizada por uma ‘nação ou governo estrangeiro’ para que possa ser invocada”, explicou Dan Tichenor, professor de ciência política na Universidade do Oregon, nos EUA, à BBC News Mundo há algumas semanas.
Sem garantias de nenhum tipo
Por que Trump está recorrendo a uma lei tão antiga? E quais são as vantagens de fazer isso?
De acordo com especialistas consultados pela BBC News Mundo, o instrumento legal permite ao governo deter e expulsar pessoas sem ter que garantir a elas o devido processo legal, ou seja, sem ter que oferecer o direito à defesa, de recorrerem a uma autoridade superior, entre outros.
“A Lei de Inimigos Estrangeiros dá ao governo Trump um poder executivo muito amplo e irrestrito para deter e expulsar imigrantes indocumentados à vontade”, explicou Tichenor.
“A norma autoriza os presidentes a agilizar o processo de deportação, deixando os não-cidadãos sem possibilidade de recorrer aos tribunais de imigração”, acrescentou o especialista.
Impedir que os migrantes possam exercer suas garantias legais reduz o tempo dos processos, e permite deportações mais rápidas e em maior escala, conforme Trump havia prometido ao longo da campanha.
Outro aspecto é que a Lei de Inimigos Estrangeiros não exige a apresentação de provas de que o estrangeiro seja uma ameaça, bastando a simples suspeita. Isto foi alertado por Katherine Yon Ebright, do Centro Brennan para a Justiça, nos EUA.
Até ao momento, o governo americano não identificou os venezuelanos deportados, nem apresentou provas que confirmem sua conexão com o Trem de Aragua, nem que tenham cometido crimes nos EUA.
Em fevereiro, quando os dois primeiros voos com deportados chegaram à Venezuela, o ministro do Interior, Diosdado Cabello, garantiu que “nenhum (dos deportados) tinha conexão com o Trem de Aragua”.
O ministro venezuelano também afirmou que, dos primeiros 190 deportados, apenas 17 tinham antecedentes criminais.
Decisão controversa
A decisão de Trump de recorrer a esse instrumento legal gerou polêmica.
“Uma lei para tempos de guerra não tem lugar em tempos de paz”, acrescentou Yon Ebrigth.
O Centro para o Progresso Americano (Cap, na sigla em inglês) denunciou que a atual implementação da lei constitui “um perigoso abuso de poder que visa privar as pessoas dos seus direitos legais”.
“Todos os americanos, independentemente da ideologia política, deveriam estar preocupados com o fato de o presidente estar recorrendo aos poderes invocados pela última vez para deter milhares de americanos de origem japonesa em campos de concentração, um dos momentos mais vergonhosos da história dos EUA”, declarou a organização apartidária em comunicado.
Trump prometeu lançar a maior onda de deportações da história do país para restaurar a segurança.
“Ao invocar a Lei de Inimigos Estrangeiros de 1798, instruirei nosso governo a usar todo o poder da aplicação da lei federal e estadual para eliminar a presença de todas as gangues e redes criminosas estrangeiras que trazem crimes devastadores para o território americano, incluindo nossas cidades e centros urbanos”, ele enfatizou.
Desde que o republicano voltou à Casa Branca em janeiro, o número de batidas e prisões indiscriminadas aumentou.
De acordo com dados do Serviço de Imigração e Alfândega dos EUA (ICE, na sigla em inglês), pelo menos 32 mil migrantes foram detidos desde que Trump assumiu o cargo.
No entanto, cerca de 23% destas detenções, aproximadamente 9 mil, correspondem a migrantes legais, sem antecedentes criminais, ou que aguardam processos, audiências e respostas a solicitações de residência e asilo. O ICE chama estas detenções de “danos colaterais”, conforme noticiou a France 24, rede de televisão francesa.
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Fonte: G1

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