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“Brazilianization”: como o Brasil deu origem a um termo pejorativo no exterior

Enfim, o Brasil virou referência no mundo. Não necessariamente uma referência positiva.

Os termos “brazilification” e “brazilianization”, que podem ser traduzidos como “abrasileiramento”, têm sido usados com cada vez mais frequência para descrever o processo pelo qual países mais desenvolvidos se tornam parecidos com o Brasil.

E isso não quer dizer que eles aprenderam a jogar futebol, passaram ouvir moda de viola caipira ou incluíram a pizza de frango com catupiry em seus cardápios locais. A comparação com o Brasil quase sempre carrega um tom negativo, quando não pejorativo.

Origem em livro de 1991

O livro “Geração X: Contos para uma cultura acelerada”, do autor americano Douglas Coupland, foi um dos best-sellers do fim do século 20. 

Nele, Coupland trata das angústias e dos dilemas da geração que, àquela época, estava na casa dos 20 anos.

Logo no início, em um capítulo que aborda a falta de oportunidades econômicas naquele período, a obra traz o verbete “brazilianization”, cujo significado é descrito como “o abismo crescente entre os ricos e os pobres, acompanhado pelo desaparecimento da classe média”.

O livro de Coupland é de 1991, e não discute a fundo o sentido do neologismo. Mas, trinta anos depois, um artigo publicado pela revista American Affairs ressuscitou a expressão.

Artigo de 2021 recolocou o termo em debate

O debate sobre o processo de abrasileiramento ressurgiu em 2021, em um artigo de Alex Hochuli para a publicação americana — que é especializada em políticas públicas e pensamento político.

Segundo Hochuli, o mundo está se tornando mais parecido com o Brasil. E esta é uma má notícia.

“Bem-vindo ao Brasil. Aqui as únicas pessoas satisfeitas com a sua situação são as elites financeiras e os políticos venais. Todo mundo reclama, mas todo mundo dá de ombros. Esta lenta degradação da sociedade não é tanto um trem descontrolado, mas mais uma montanha-russa nervosa, que ocasionalmente oferece promessas de ascensão, mas nunca se liberta dos trilhos”, diz o texto de Hochuli.

O autor lembra que o Brasil costumava ser apresentado como o país do futuro, mas ficou preso a um ciclo perpétuo de altos e baixos. Ele afirma que o neoliberalismo é parte importante da equação. “O abrasileiramento do mundo leva a uma generalização da incerteza e da indecisão. O capitalismo neoliberal, na sua decadência, não consegue encontrar uma saída para a sua crise, e os seus oponentes estão divididos demais, cínicos demais e céticos demais de que as coisas possam realmente mudar”, ele escreve.

Mas o termo “brazilianization” também é comum, ou talvez ainda mais comum, na direita.

Outros usos da expressão

Em 2022, a publicação conservadora The Washington Examiner publicou um artigo com o título “O abrasileiramento da Califórnia”. Nele, o escritor Dominic Green lembra que, nos anos 1990, o Brasil era visto como um país que alcançaria a prosperidade no futuro próximo. Nesse sentido, diz ele, os Estados Unidos de hoje deveriam ser aquilo que o Brasil aspirava a ser naquele passado de otimismo.

Mas, para Green, os Estados Unidos decaíram ao passo que o Brasil nunca cumpriu a promessa de prosperidade.

“O presente dos Estados Unidos do Brasil se parece com o Brasil do passado, e o futuro dos Estados Unidos se parece com o presente do Brasil”, Green afirma, depois de mencionar que a Califórnia tem fronteiras porosas, ruas esburacadas, escolas comandadas por “analfabetos fanáticos”, prisões superlotadas, uma taxa de homicídios em alta e um governo corrupto.

No mesmo ano, Jeremy Carol, pesquisador sênior do Instituto Claremont, previu para os Estados Unidos um futuro cada vez mais parecido com o Brasil — ainda que visto como em um “espelho de parque de diversões”: “As imagens são imediatamente reconhecíveis, embora um tanto distorcidas. Conflitos raciais e políticos, destruição econômica da classe média”, além do “colapso do Estado de direito entre as elites e da lei e da ordem nas ruas”, diagnosticou.

Em 2022, a jornalista inglesa Marry Harrington disse que a abordagem menos rigorosa da polícia britânica contra furtos no comércio era um sinal do “abrasileiramento” da Grã-Bretanha. Em agosto do ano passado, o autor canadense Cosmin Dzsurdzsa alertou sobre a perspectiva de um futuro sombrio para o seu país: “O abrasileiramento do Canadá já começou. Favelas e censura para todos”. E, em dezembro, o autor americano Rod Dreher lamentou o “abrasileiramento” de Londres ao citar o aumento da criminalidade na capital inglesa.

Os termos “brazilification” e “brazilianization” também têm sido usados em contextos mais obscuros nos últimos anos: como uma espécie de alerta contra a diminuição da população branca na Europa e nos Estados Unidos.

O abrasileiramento dessas regiões seria uma diminuição das populações nativas, diluídas em meio a ondas de imigrantes e à miscigenação racial — que, por sua vez, causaria uma erosão dos princípios que tornaram essas sociedades prósperas.

Uma das poucas vozes otimistas sobre o conceito de abrasileiramento foi do historiador inglês Adam Tooze, professor da Universidade de Columbia.

Em resposta ao artigo original de Alex Hochuli, Tooze trouxe dados mostrando que, dependendo da perspectiva, se tornar mais parecido com o Brasil é um progresso para países em desenvolvimento que ainda têm dificuldades em resolver problemas básicos. “Trazer a perspectiva do abrasileiramento pode causar frisson em Miami ou Roma. Mas, para grande parte do mundo, é algo a se desejar”, opinou Tooze.

O que pensa o autor que popularizou o termo

O autor Alex Hochuli, um suíço-brasileiro que se formou na Inglaterra e vive em São Paulo há nove anos, conversou com a reportagem da Gazeta do Povo.

Ele disse acreditar que o uso do termo “abrasileiramento” para descrever um processo de deterioração na sociedade como resultado da miscigenação racial não faz sentido.

“Para mim, essa é uma leitura grosseiramente errada do que está acontecendo na Europa e dos problemas do Brasil. Nenhum dos problemas do Brasil é fruto da heterogeneidade brasileira”, afirma.

Na interpretação de Hochuli, o Brasil é “um modelo de uma sociedade onde a diferença ‘étnica’ raramente gerou divisões políticas”. Ele lembra que, nos anos 1990 e 2000, houve uma corrente de pensadores que usaram o “abrasileiramento” como um modelo de integração racial relativamente pacífica.

O problema atual da Europa, diz o autor, não é a diluição das etnias do continente, mas a falta de uma democracia popular e a perda de um senso de propósito nacional. Por isso, as semelhanças entre Brasil e Europa não têm a ver com raça: “A conexão entre Brasil e Europa é simplesmente esta: nos dois lugares, existe uma crise de representação e uma falta de democracia real”, diz Hochuli.

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