A primeira emenda da constituição dos Estados Unidos da América (EUA), datada de 1791, é um dos grandes alicerces da sociedade norte-americana ao garantir o free speech ou a liberdade de expressão, de imprensa, de religião e de livre associação. As decisões do governo Trump, em suas primeiras semanas, trouxeram medidas perigosas e controversas que impactam significativamente esse princípio. Como parte desse processo, começam os ataques à pesquisa científica e à cooperação internacional em áreas cruciais como saúde e meio ambiente.
A retirada dos Estados Unidos do Acordo de Paris sobre o clima e a subsequente suspensão do apoio à Organização Mundial da Saúde (OMS), que representava 14,5% do orçamento da organização, geraram grande preocupação na comunidade de pesquisa, da saúde e ambiental.
O corte de recursos para a OMS não impacta somente a organização, mas também os países membros, especialmente os mais pobres. Durante a pandemia vimos o acesso que os países ricos tiveram às vacinas, o que não ocorreu com os países mais vulneráveis. O corte de financiamento comprometerá drasticamente programas essenciais, como o da erradicação da poliomielite, do combate ao HIV/aids ou do controle de surtos de doenças infecciosas diversas.
Outra decisão devastadora do presidente estadunidense foi a retirada de recursos do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) e do Instituto Nacional de Saúde (NIH), que é também a principal agência de financiamento de pesquisa biomédica dos EUA. Essa medida impactará grande parte das pesquisas em câncer, vacinas, transplantes, Parkinson, Alzheimer, o que deverá provocar uma inédita diáspora de pesquisadores de lá para outros países.
Felizmente, a justiça dos EUA suspendeu temporariamente os draconianos cortes de Trump no NIH e começam a aparecer focos de resistência no mundo e por parte dos cientistas em vários estados americanos. A Associação Americana para o Avanço da Ciência (AAAS) e revistas renomadas como Science, Nature, The Lancet e The British Medical Journal têm feito enérgicos protestos contra tais medidas.
A crise nos EUA evoca momentos dramáticos da ciência brasileira vividos durante a ditadura militar, quando cientistas da Fiocruz (Massacre de Manguinhos), assim como da USP, UFMG, Escola Paulista de Medicina, entre outras instituições brasileiras de pesquisa e ensino, foram cassados e aposentados compulsoriamente pelo AI-5. No governo Bolsonaro, cientistas e universidades também viveram momentos dramáticos, inclusive com o negacionismo — outro tipo de atuação política contra a ciência. São momentos históricos de nossa pesquisa, educação e cultura que mostram a importância da resistência contra governos autoritários.
O Brasil resistiu à ditadura militar e ao período autoritário do governo Bolsonaro. Por isso, é importante lembrar e acompanhar o que está acontecendo neste momento nos EUA. Prestar solidariedade à comunidade científica de lá (os pesquisadores dos EUA são os que mais colaboraram com os brasileiros) e ao mesmo tempo construir e fortalecer a nossa democracia. A liberdade de expressão é fundamental para que possamos ter uma sociedade do conhecimento e um outro futuro diante de tempos obscuros