O governo Lula tem um inimigo externo. E não é a Rússia autoritária de Vladimir Putin ou a teocracia islâmica do Irã: é a democracia dos Estados Unidos, comandada por Donald Trump.
As tensões se elevaram nos últimos dias com a tarifa de 50% imposta por Trump aos produtos vindos do Brasil.
A comunicação oficial do governo começou a publicar peças ufanistas. Uma delas diz que o Brasil “não aceitará ser tutelado por ninguém”.
Mas a hostilidade de Lula e do PT aos Estados Unidos — e ao presidente americano — vem de muito antes.
Historicamente, o partido sempre se aliou a organizações que, em nome do socialismo ou de outras causas, abraçou o antiamericanismo. Já como presidente, Lula atacou Trump durante a campanha americana, no ano passado. Ele declarou apoio à democrata Kamala Harris e associou o republicano a um ressurgimento do nazismo no cenário internacional. “Acho que, Kamala ganhando as eleições, é muito mais seguro de a gente fortalecer a democracia dos Estados Unidos. Nós vimos o que foi o presidente Trump no final do mandato, fazendo aquele ataque ao Capitólio (…). Nós agora temos o ódio destilado todo dia, temos mentira destilada todo santo dia (…). É o fascismo e o nazismo voltando a funcionar com outra cara”, afirmou.
O comportamento se alinha ao antiamericanismo da esquerda brasileira e lembra regimes autoritários que encontram em adversários fictícios um motivo para justificar um comportamento antidemocrático.
Se o inimigo é diabólico, é mais provável que a população tolere o autoritarismo do ditador no poder. Ou seja: por vezes, o antiamericanismo e o nacionalismo são ferramentas para justificar a supressão de direitos.
Veja cinco exemplos de regimes que recorreram a esse artifício.
1) Cuba
Governada desde 1959 pelo Partido Comunista de Fidel Castro, Cuba usa os Estados Unidos como bode expiatório de seus problemas — não sem cair em contradição: ao mesmo tempo em que condena o capitalismo americano, o regime de Cuba se queixa do embargo que limita o comércio do país com os Estados Unidos. Dentro e fora da ilha, defensores do socialismo alegam que o sistema de partido único e as restrições à liberdade são necessárias para preservar o regime da influência maligna dos imperialistas.
Em um discurso feito em 1967, Fidel Castro resumiu a postura do regime cubano: “Se o preço dessa atitude do nosso país fosse o afundamento deste país na Fossa de Bartlett e o extermínio total da nossa população da face da Terra — se isso fosse possível — preferiríamos isso a aceitar essa ordem e essas leis que o imperialismo deseja impor ao mundo”.
2) Irã
“Morte à América” é uma das frases mais ouvidas nos palácios de Teerã — embora o governo americano, então sob o comando de Jimmy Carter, tenha facilitado indiretamente a ascensão dos aiatolás ao poder, em 1979. O antiamericanismo do regime iraniano é tão intenso que ameaça civis americanos.
Em 2009, por exemplo, três jovens dos Estados Unidos estavam fazendo uma trilha no norte do Iraque quando atravessaram a fronteira com o Irã sem perceber. Eles foram presos por espionagem e condenados a oito anos de prisão. Em 2016, um pesquisador americano (nascido na China) também foi preso sob a mesma acusação. Xiyue Wang, doutorando pela Universidade de Princeton, foi condenado a dez anos de prisão, mas acabou libertado em 2019 em uma troca de prisioneiros com os Estados Unidos.
3) Venezuela
Desde que assumiu o poder, em 1999, Hugo Chávez tratou os Estados Unidos como responsáveis por todas as mazelas do seu país — seguindo o modelo cubano. Para desqualificar a oposição democrática, por exemplo, os chavistas acusam esses políticos de terem ligação com os “ianques”. O antiamericanismo também foi usado como pretexto para estatizar empresas estrangeiras presentes no país, o que destruiu boa parte do setor produtivo da Venezuela.
Ao manter vivo o fantasma da ameaça imperialista, a ditadura comandada por Nicolás Maduro permite a si mesma a perseguição de quem quer que seja considerado suspeito de colaborar com o inimigo.
“Guaidó foi o chefe que os EUA impuseram à oposição venezuelana. O que viram nele? Não sei. Foi uma decisão de Donald Trump”, disse Maduro em 2019, referindo-se (sem provas) ao líder oposicionista Juan Guaidó.
4) Rússia
Os Estados Unidos (além dos países da Europa Ocidental e, claro, a Ucrânia) são tratados como inimigos permanentes pelo regime de Vladimir Putin, que se mantém no poder de forma ininterrupta desde 1999. Assim como o Irã, a Rússia por vezes detém americano incautos como forma de obter algo do governo americano.
O jogo da Rússia, entretanto, é mais sofisticado que o de Cuba e Venezuela: o regime de Putin gosta de se promover como defensor dos valores tradicionais deixados de lado pelo Ocidente (o que apela aos conservadores mais incautos) e, simultaneamente, se apresenta como herdeira do regime soviético (o que convence alguns defensores do comunismo mundo afora).
5) Nicarágua
Na Nicarágua, basta promover a democracia e os direitos humanos para ser considerado culpado por promover o imperialismo. Discípulo de Fidel Castro, o ditador Daniel Ortega expulsou do país organizações não-governamentais americanas, que ele acusa de trabalharem para a Casa Branca. O seu grupo político persegue até mesmo a Igreja Católica, também acusada de trabalhar pelos interesses americanos. Para ele, o Vaticano faz parte do “conglomerado do fascismo” e está “claramente a favor do império”. Ortega também afirmou que, por não ser um regime democrático, a Santa Sé não pode criticar o autoritarismo da Nicarágua.