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Com Margiela, Semana de alta-costura em Paris faz do luxo artigo pop

A quem interessa hoje uma coleção de alta-costura? Não apenas mais a quem observa ou acompanha a moda, ou a quem trabalha com ela. Tampouco somente à sua endinheiradíssima e privilegiada clientela.

A alta-costura, território de sonhos, exclusividade, excelência, está no jogo como produção de um poderoso imaginário, que contribui para o espírito do tempo. Essa retomada de relevância vem sendo defendida com bravura por alguns de seus artífices, e as plataformas digitais —Instagram, YouTube, TikTok— difundem as imagens de suas passarelas. Antes elas eram resguardadas, para que não fossem copiadas e reproduzidas mundo afora.

Em Paris, onde o conceito de é institucionalizado —por meio da Fédération de la Haute Couture et de la Mode—, a semana de lançamentos para o inverno 2025 terminou na última terça-feira. Daqui, tomamos algumas conclusões.

A começar por este paradoxo: a “couture” agora é pop. No tsunami visual e midiático das redes, vemos por telas chegarem aos desfiles seu público ilustre: artistas, celebridades ou nem tanto, as gentes das modas, o povo da internet. E o que acontece dentro dessas tão fechadas salas vira assunto até mesmo fora da indústria.

É quase como nos primórdios, na época de Dior e Balenciaga, quando ainda eram Christian e Cristóbal a assinar as coleções das maisons. Só que diferente: quando um “catwalk” faz mais do que vender perfumes, ele vira meme.

Sai de cena o “couturier“, como o venerado Worth, considerado o inventor desse sistema —pela primeira vez um museu francês dedica uma grande retrospectiva a ele, no Petit Palais, vale procurar a informação online—, entra a figura do diretor criativo, o ser humano que pensa em tudo, e que em alguns casos não sabe fazer sequer um croqui.

Como o polêmico Demna, um dos responsáveis recentes por introduzir a alta-costura na sociedade do espetáculo (ele não desenha, e isso não importa). A temporada marcou sua saída justamente da Balenciaga, depois de um período de dez anos, que por sua influência vem sendo chamado de uma era. O que é bastante coisa.

Migrando de uma marca para outra do mesmo conglomerado —o grupo Kering, fundado por François Pinault—, ele vai para a Gucci. Sua despedida veio acompanhada de uma exposição relâmpago e de uma coleção depurada. O melhor que ele pôde fazer, disse, sem modéstia, e com razão.

Seu objetivo era colocar a Balenciaga em um contexto moderno, transformando a maison em uma marca global com forte impacto cultural e criativo, ele declarou. “Criamos uma conexão entre a herança da alta-costura e o streetwear, o que mudou completamente a maneira como a moda é percebida hoje”. Também verdade.

Nascido na Geórgia, fora do circuito, portanto, Demna vinha de uma jornada em sua marca própria, a subversiva, ainda que cara, Vêtements. Daí que, na Balenciaga, sofreu de síndrome de impostor e foi bastante criticado. Muitas vezes, corretamente.

Gostando ou não de seu estilo, Demna vai ser lembrado. Ele comprova isso celebrando pela última vez as proporções do corpo oversized da década, inventado sobre ombros gigantes e tamanhos extra-grandes vindos das periferias e subúrbios —e não da alta moda.

Para seu canto de cisne na Balenciaga, ele acionou Kim Kardashian para incorporar uma Elizabeth Taylor; Naomi Campbell à la Marilyn Monroe; Isabelle Huppert como uma claudicante e afetada madame parisiense (na cena virou meme). Aqui, a vontade era questionar os códigos do glamour e do luxo, segundo a burguesia. E, pela primeira vez, entra ao final do desfile para receber os aplausos.

Esta bem poderia ter sido a estação em que se falou do vestido tecnológico da holandesa Iris van Herpen ou da ausência de um adoentado Giorgio Armani, 80, em seu próprio desfile. O protagonismo, entretanto, ficou com Glenn Martens, tratado como uma espécie de salvador da pátria por sua incensada estreia na Maison Margiela.

A linha Artisanal da grife, desenhada (aqui, literalmente, entre 2014 e 2024) pelo britânico John Galliano, foi fundada em 1989 pelo belga Martin Margiela e entrou para o calendário oficial da “couture” em 2006. Margiela foi um dos mais influentes criadores do contemporâneo. Nunca quis fama própria, mas que suas roupas falassem por ele, e se esquivou a vida toda de fotos e entrevistas. Retirou-se de cena em 2009.

Questionou o conceito do luxo, antecipou o upcycling, virou a moda do avesso, celebrou uma atitude industrial, crua e underground e a desconstrução, desde os anos 1990, e segue referência. Honrando os códigos do anonimato instalados por Margiela ao esconder o rosto das modelos, deslocando o foco para o artesanal, Martens apresenta suas manequins mascaradas por caixas de metal soldado para desfilar uma coleção inspirada na arquitetura medieval e na atmosfera de Flandres e dos Países Baixos.

Fiel a princípios de Margiela, Martens avança em direção a um fazer que parte da matéria-prima e do corpo, alcançando uma original visualidade e descortinando um ambiente estético tão sensual quanto instigante, em sua estranheza e desconforto, em sua melancolia, poética e esgarçada opulência.

É gótico, em capas e mantôs sombrios, vestidos-coluna drapeados em véu, como esculturas em mármore sobre musas sobrenaturais vindas das fachadas das igrejas, a construção sobre a anatomia feminina. A verticalidade e os volumes das silhuetas remetem a torres; a sobreposição de camadas e texturas das roupas alude à decadência de paredes descascadas pelo tempo. Nas paredes e no piso da sala do desfile em si, colagens de fotocópias de imagens do interior de antigos palácios.

Colagens de pinturas florais de natureza-morta do século 17 são impressas em plástico e em tecido, cortadas de forma tridimensional, com lindos efeitos “trompe-l’oeil. A estrutura em “corset” das peças coloca a ênfase ora no busto ora nos quadris.

Em outro dos looks que ganharam as redes, uma saia de cetim duchesse dourado, envelhecido, drapeada em forma de coração, tecido com fios de metal e estampada com um padrão que replica papéis de parede floridos, pintados a mão, característico da Bélgica do século 16.

Tudo sendo usado com botas Tabi, ao som da voz cortante de Billy Corgan, do Smashing Pumpkins, trilha sonora do desfile. Fiel a Margiela, Martens não entra ao final de seu desfile. Quando os tempos se encontram e se opõem, a moda caminha adiante.

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