As 100 gravatas temáticas que o Supremo Tribunal Federal mandou fazer para retribuir os eventuais presentes que os ministros recebem de autoridades ultrapassam o limite estabelecido pelo código de conduta da alta administração federal. O custo total foi de R$ 38.475 – o que dá R$ 384 por peça. O teto para este tipo de presente é R$ 100.
De acordo com o código, “é vedada à autoridade pública a aceitação de presentes, salvo de autoridades estrangeiras nos casos protocolares em que houver reciprocidade”. Os brindes, que não são considerados presentes, não podem ter valor comercial e podem ser distribuídos por entidades como cortesia, desde que não passem do valor de R$ 100.
Vinicius Marins, professor de Gestão Pública da Fundação Dom Cabral, explica que a troca de presentes entre representantes de entidades é praxe, e que tem por objetivo fortalecer relações institucionais. Além disso, o Poder Judiciário tem autonomia administrativa e financeira para tal ação, conforme determina o artigo 99 da Constituição Federal.
A questão é o valor – e, se mesmo legal, é moral. Os regalos, bem como suas trocas, precisam ser equilibrados com o princípio de moralidade, salienta o professor. Ainda mais em um país que passa por uma crise financeira, onde até o café está caro e onde o Supremo se tornou um agente importante no cenário político.
“A legalidade hoje considera que não é só cumprimento da Lei. Considera princípios que vão além. Por exemplo, é razoável, é moral, atende ao interesse ao público? Isso pode ser discutível diante de uma decisão como esta”, observa Marins.
“O cidadão critica uma visão de gasto dispendioso. A gente vive num Brasil de crise fiscal, que demanda um Estado mais fiscalista. Em um momento no qual se faz o debate de controle fiscal, o Estado faz sinalização no sentido contrário”.
Uma solução prática que cumpriria a mesma função de gentileza nesse caso seria um brinde de menor valor, como uma caneta ou um broche. Ou até mesmo uma gravata mais barata. A da marca Calvin Klein, por exemplo, custa a partir de R$ 190. “Uma cortesia que não envolvesse tal valor”, resume.
Marins explica que o limite do valor pode ter variações nos estados, mas a premissa é de não passar uns R$ 200: “Tem quem entenda que o valor de R$ 100 está defasado, ou que é de natureza personalíssima, que não gera conflito. Mas, querendo ou não, a regra prevê limite de R$ 100 e a gravata custa R$ 384. Ultrapassa significativamente esse limite”.
Outro ponto sensível é que presentes muito caros podem dar margem interpretações sobre troca de benefícios, como o caso dos veículos da a fábrica de carros elétricos BYD. A montadora chinesa, que está se instalando no país, deu, por meio de comodato (empréstimo), 20 carros por dois anos para o Superior Tribunal de Justiça, no valor de R$ 300 mil cada.
Marins defende que tais decisões como do STF devem considerar a razoabilidade de economicidade: “É preciso analisar se existe justificativa face ao orçamento do órgão, se o preço está adequado ao valor de mercado, se a escolha do fornecedor foi dentro de um processo competitivo”, analisa. “Esses são aspectos de legalidade que pode discutir em relação a decisão do Supremo”.
Além das gravatas, o STF mandou fazer lenços para presentear mulheres, e para a ministra Carmem Lúcia, única mulher do colegiado. As gravatas são azul-escuro, com pequenos desenhos dos arcos do prédio do STF em branco. Os lenços têm um tom de azul-claro, com os arcos da Corte em branco e detalhes em dourado.
Ambos foram desenhados pela estamparia Aragem Rio Comércio e Design de Estamparia. Segundo a Corte, a maioria dos lenços e gravatas fabricados será colocada à venda na loja do STF, em Brasília, e os valores retornarão aos cofres da União.
“Foi uma forma que nós encontramos, gentil, de retribuir os eventuais presentes que recebemos com uma gravata que tem o símbolo do Supremo Tribunal Federal e que, se permitirem a imodéstia, ficou muito bonitinho”, disse o presidente do STF, Luís Roberto Barroso no dia que anunciou a criação do “STF fashion”, como ele apelidou.