Um email chacoalhou o meio da arte nesta sexta-feira. Igi Lola Ayedun, a fundadora da HOA, uma galeria com cinco anos de vida que tomou de assalto o mercado com um elenco de artistas jovens não brancos e LGBTQIA+, afirmou que seu negócio está sob ataque da galeria Almeida & Dale, a mais poderosa do Brasil, que negocia obras de medalhões como Rubem Valentim e Amílcar de Castro.
A Almeida & Dale diz lamentar “as declarações que deturpam os fatos” e confiar na Justiça para que a situação seja resolvida com base na realidade.
Os sócios da Almeida & Dale, Antonio Almeida e Carlos Dale, entraram com um processo para reaver o imóvel atualmente ocupado pela HOA na Barra Funda, em São Paulo, ameaçando usar a polícia para a reintegração de posse. O galpão, na rua Brigadeiro Galvão, foi alugado de um terceiro pela Almeida & Dale e cedido até 2027 para a HOA, que lá faz exposições de seus artistas há dois anos e meio.
A Almeida & Dale diz que pagou o aluguel do imóvel até o fim do ano passado e que este ano a HOA deveria ter desocupado o espaço —onde agora ocorre uma exposição de artistas da galeria Ora, parceria da HOA. Mas a HOA não saiu do endereço e não quitou os aluguéis nem o IPTU deste ano, segundo a Almeida & Dale.
Elisio Scala, o proprietário do imóvel, afirma que a Almeida & Dale está sem pagar o aluguel desde março do ano passado —o IPTU deste ano também não foi pago, segundo ele. O aluguel é de R$ 40 mil por mês e o imposto da prefeitura, R$ 5.000. Somando os valores, acrescidos de multa, juros e correção monetária, a galeria mais rica do Brasil deve cerca de R$ 800 mil, de acordo com Scala, que entrou na Justiça com um processo para cobrar os valores.
Em sua resposta à reportagem, a Almeida & Dale não menciona Scala.
Além do imbróglio do aluguel, Ayedun pede que a Almeida & Dale traga de volta para o Brasil mais de uma dezena de obras do acervo da HOA que estão em países da Europa —França, Suíça, Espanha, Itália e Reino Unido—, para onde foram para participar de feiras para as quais a HOA foi selecionada.
Segundo Ayedun, a Almeida & Dale oferecia a logística do transporte das obras para o exterior, num acordo que previa que trabalhos de artistas representados pela casa já estabelecida seriam expostos em conjunto com nomes da HOA nos estandes da própria HOA em feiras como a Arco, em Madri, na qual a HOA exibiu obras de Ayrson Heráclito, um importante artista negro contemporâneo com obras no acervo da Almeida & Dale.
A Almeida & Dale informa que as obras foram exportadas pela HOA e que a HOA avisou que não teria como trazer as peças de volta ao Brasil, tendo pedido, por gentileza, que a Almeida & Dale ficasse com os trabalhos temporariamente, “o que aceitamos fazer, de forma colaborativa, sem qualquer custo ou cobrança, apenas cedendo espaço para armazenamento”. Acrescenta que a responsabilidade de repatriação das obras é da HOA.
Ayedun conta ter firmado uma parceria em 2022 com a Almeida & Dale, já que a poderosa galeria acreditava em seu projeto e no seu elenco de artistas. Isso incluía tanto a cessão do galpão para que a HOA desenvolvesse seu programa quanto os trâmites de exportação de obras para as feiras no exterior, um processo que demanda um volume de dinheiro que a HOA, uma galeria jovem, não tem.
Ayedun diz ter recebido o galpão em estado precário e refeito a parte elétrica e hidráulica para poder operar. Isso, somado aos custos que ela conta ter tido com a programação, dá cerca de R$ 1 milhão em investimentos seus. “A gente não se opõe a sair do imóvel, mas eu quero o reembolso de tudo o que eu investi. Não é um problema sair do imóvel, o problema é sair do imóvel com o prejuízo”, ela diz, por telefone.
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A parceria funcionou até meados do ano passado, diz Ayedun, momento em que a Almeida & Dale fez uma imposição de aquisição, em suas palavras, o que significava que ela teria de ceder metade de sua empresa para a Almeida & Dale. Ela diz que vender uma parte de seu negócio sempre esteve fora de cogitação e que ofereceu alternativas de parceria para a casa maior que não incluíssem sociedade, mas que Antonio Almeida e Carlos Dale não toparam.
A Almeida & Dale diz que não houve qualquer imposição em relação a HOA, que, segundo eles, tem uma dívida com a galeria em função de um empréstimo destinado à construção de um banco de obras de arte que nunca foi executado por Ayedun.
A Almeida & Dale afirma ainda que “sempre acreditou no poder das parcerias” e que, ao longo de dois anos, de 2022 a 2024, investiu “recursos significativos no desenvolvimento e na expansão do projeto” que manteve com a HOA. Afirma também que se deparou com “uma sequência de descumprimentos de contrapartidas e acordos por parte da HOA” e que por isso a parceria não prosseguiu. Acrescenta que o acordo entre as duas casas foi desfeito de forma consensual.