• Home
  • Destaque
  • O que é soberania – e por que Lula usa o termo de forma errada contra Trump

O que é soberania – e por que Lula usa o termo de forma errada contra Trump

Após Donald Trump anunciar o aumento de tarifas sobre os produtos brasileiros, o presidente Lula passou a usar a defesa da soberania brasileira como slogan.

“Brasil soberano” foi o título do pronunciamento de Lula em cadeia de rádio e TV nesta quinta-feira (17), por exemplo.

O petista também afirmou que a atitude de Trump configura “ingerência de um país na soberania de outro”, com o agravante de ter sido uma “intromissão de um presidente de um país” no Poder Judiciário brasileiro.

Esse argumento, entretanto, não tem embasamento. O protecionismo norte-americano não interfere na autonomia política brasileira. A diplomacia internacional existe justamente para negociar pactos comerciais que dependem necessariamente da habilidade negocial dos países. Tanto é assim que Trump ainda aguarda Lula na mesa de negociação.

Mas afinal, o que, de fato, caracteriza a soberania de um país? E, mais importante saber, o que poderia, na verdade, ferir a soberania nacional brasileira?

Soberania inabalável

O conceito de soberania é objetivo. O termo refere-se à autoridade suprema de um Estado sobre seu território, seu povo e suas decisões internas, sem estar subordinado a outro poder externo.

Apesar de ter feito da soberania o tema principal do seu pronunciamento na quinta-feira, e de ter publicado em jornais de oito países suas críticas com relação ao tarifaço de Trump, Lula não demonstrou riscos da medida à soberania nacional. Ao contrário, seu posicionamento foi incisivo quanto à reciprocidade cambial, insistindo na postura de também taxar em 50% os produtos americanos, caso o líder americano decida implementar a medida por lá.

Lula afirmou ainda que o Brasil tentará atuar na Organização Mundial do Comércio (OMC) junto a outros países. Se não houver uma solução, ele promete aplicar a lei a partir de 1º de agosto, que é o prazo dado por Trump para o início do tarifaço.

Mas a soberania de um país não está ameaçada se o seu Congresso aprova uma Lei de Reciprocidade na qual prevê devolver a mesma medida da taxação internacional e, ainda por cima, negocia com a OMC para intermediar uma solução comercial com outro.

Lucas Freire, doutor em Política pela Universidade de Exeter, avalia que a atitude de Donald Trump de impor barreiras comerciais ao Brasil não fere a soberania brasileira. “O governo de um país, por mais irracional e antieconômico que seja, tem autoridade doméstica de impor restrições comerciais”, explica ele. Para Freire, a conduta prejudica a própria população americana, além de diminuir o volume de comércio com as demais nações.

Protecionismo pode prejudicar a economia e encarecer produtos

O avanço do protecionismo americano pode gerar efeitos negativos não apenas para seus parceiros comerciais, mas também para suas próprias economias, afirmam especialistas. Para Lucas Freire, a atual postura do governo norte-americano tem traços de “mercantilismo”, e ele ressalta que essa mesma lógica vem sendo adotada por diversos países, incluindo o Brasil, especialmente como forma de proteger setores menos competitivos, como a indústria nacional. 

Vladimir Maciel, professor doutor e coordenador do Centro Mackenzie de Liberdade Econômica (CMLE), vê ironia na medida americana: segundo ele, ela prejudica antes a própria “soberania econômica” dos EUA do que a do Brasil. Do ponto de vista econômico, Maciel explica que “um regime autárquico, isolado do comércio internacional, é um problema”. O aumento de barreiras comerciais encarece os produtos e reduz o poder de compra dos consumidores locais. Ou seja, ao se fechar ao comércio global, o país prejudica a si mesmo.

Maciel também contesta a ideia de que o Brasil seja “dependente” dos Estados Unidos. Ele afirma: “nossa pauta de comércio exterior é relativamente diversificada e, se interpretássemos literalmente esse conceito de dependência, estaríamos muito mais vinculados à China — nosso principal parceiro comercial — do que aos EUA”.

“O comércio exterior representa uma fração menor do PIB brasileiro, o que se explica, em parte, pelas dimensões territoriais e populacionais do país. O mercado interno tem um peso maior na nossa economia. Isso, no entanto, não significa que estejamos imunes aos efeitos de medidas protecionistas de outros países”, ele pondera.

Tarifas internacionais não violam soberania local

A nova rodada de tarifas impostas por Donald Trump a produtos brasileiros escancara uma contradição central no discurso de Lula: embora causem impacto econômico, essas medidas não representam uma violação da soberania nacional. No campo jurídico, tarifas comerciais são instrumentos legítimos usados por países para proteger seus próprios interesses. Inclusive pelo Brasil, que também aplica barreiras tarifárias em diversos setores estratégicos. Por isso, os Estados Unidos agiram dentro de suas prerrogativas soberanas.

Nenhuma autoridade americana tentou interferir diretamente nas decisões internas do Brasil ou impor qualquer controle sobre o território nacional. A medida foi unilateral, mas totalmente compatível com o direito de um Estado definir sua política comercial conforme seus objetivos e necessidades. Assim, não há base para afirmar que se trata de uma ofensiva contra a soberania brasileira, que continua intacta.

Uma analogia ajuda a esclarecer o cenário: quando um supermercado decide aumentar o preço dos seus produtos, o consumidor pode até ser prejudicado, mas sua liberdade de escolha permanece. Ele pode comprar em outro lugar ou não comprar. Da mesma forma, mesmo com o aumento de tarifas pelos EUA, o Brasil mantém sua autonomia para reagir como achar melhor, seja por meio de retaliações comerciais, negociações diplomáticas ou diversificação de parceiros. A soberania, portanto, está menos em jogo do que a capacidade estratégica de lidar com um ambiente global em constante transformação.

Lula critica colapso da ordem global e pede “liderança coletiva” diante da crise do multilateralismo

Aproveitando o destaque internacional gerado pelo “tarifaço”, Lula defendeu mudanças na governança global. Nos artigos publicados em jornais dos oito países, Lula afirmou que 2025 pode marcar o ano “em que a ordem internacional construída desde 1945”, com a fundação da Organização das Nações Unidas (ONU), “entrou em colapso”. Distanciando-se do discurso nacionalista que agora enfatiza a soberania dos Estados, o petista propôs justamente o contrário: que uma nova “liderança coletiva” internacional seja capaz de enfrentar o que ele chamou de “crise do multilateralismo”.

Nos textos, Lula critica diretamente o atual funcionamento da ONU e o papel de seus membros mais poderosos. Segundo ele, “alguns membros permanentes do Conselho de Segurança banalizaram o uso ilegal da força”, contribuindo para o esvaziamento da autoridade da organização. Para o presidente, a solução estaria em uma ação conjunta e supranacional, já que, segundo ele, “nossa existência é compartilhada”, contrariando sua defesa “patriótica” em detrimento do discurso globalista.

Crítica às tarifas dos EUA, mas alinha-se com China e ONGs internacionais

Outra reação à postura de Lula tem a ver com a coerência da política externa brasileira. Enquanto o Palácio do Planalto classifica as medidas de Donald Trump como uma ameaça à “soberania nacional”, analistas apontam que o mesmo rigor não é aplicado quando se trata de relações com países aliados, como a China. Para eles, o Executivo adota uma postura contraditória: condena interferências externas de países considerados adversários, mas adota medidas semelhantes quando vêm de parceiros estratégicos.

Entre os exemplos, estão a cessão de setores estratégicos da infraestrutura brasileira a empresas estatais chinesas, o apoio a organizações internacionais com poder de influência sobre políticas ambientais e sanitárias e a atuação de ONGs estrangeiras na região amazônica. O alvo das críticas, nesses casos, não é a cooperação internacional em si, mas o aparente duplo padrão: quando decisões externas vêm de aliados políticos, são recebidas com entusiasmo; quando vêm de adversários, são tratadas como afronta à soberania.

Soberania em discurso: estratégia política ou defesa legítima da autonomia nacional?

O uso recorrente do termo “soberania” por parte de lideranças petistas é mais uma estratégia de comunicação do que um esforço pela autonomia do Brasil.

VEJA TAMBÉM:

VEJA MAIS

Chamas em motor levam avião a fazer pouso de emergência logo após decolagem nos EUA; VÍDEO

Um vídeo mostra o momento em que um dos dois motores da aeronave aparece em…

Número de desaparecidos por inundações no Texas cai para três

O condado de Kerr, epicentro das enchentes, “pode confirmar que três indivíduos seguem desaparecidos neste…

Ananias sobre tarifaço: Falta interlocução, o governo Lula preferiu fazer uma política externa ideológica

Reprodução Ananias é o presidente do PL em Mato Grosso. Reprodução Ananias é o presidente…