Você já teve a sensação de estar preso em uma situação sem lógica, enfrentando regras que ninguém sabe explicar, lidando com pessoas que não têm autonomia para decidir nada e, ainda assim, tudo parece “seguir o protocolo”?
Quando o simples ato de resolver um problema vira uma jornada confusa, longa e cheia de obstáculos invisíveis, você pode estar diante de um cenário “kafkaniano”. Mesmo sem saber.
O adjetivo “kafkaniano” vem do nome de Franz Kafka, escritor tcheco do início do século XX cuja obra descreve com intensidade situações de angústia, opressão e absurdos do mundo moderno.
Ao longo do tempo, a palavra ultrapassou os limites da literatura e passou a ser usada para falar de realidades cotidianas em que certas questões parecem girar em círculos, sem saída aparente.
Mas afinal, o que é “kafkaniano”?
O termo “kafkaniano” se tornou uma forma de dar nome a experiências em que processos complexos e confusos não são apenas um acidente, mas parte do sistema. São situações em que o indivíduo se vê encurralado por estruturas, regras e decisões que não fazem sentido, mas ainda assim têm força de lei.
Esse tipo de cenário é típico nos livros de Franz Kafka, especialmente em obras como O Processo e O Castelo. Em ambos os casos, o sistema não se apresenta como cruel, só indiferente diante da ausência da lógica.
Portanto, a expressão “kafkaniano” descreve uma situação que parece seguir uma lógica e conformidade, mas na verdade é uma opressão que se esconde sob camadas de formalidade.
Situações consideradas “kafkanianas” – dentro e fora da ficção
Por mais que o termo se refira a uma realidade que parece sem sentido, é fácil encontrar exemplos de situações kafkanianas no mundo real.
Na política e no direito, por exemplo, o termo aparece para descrever sistemas em que a autoridade é exercida sem transparência e o cidadão fica refém de normas que parecem mais testes de resistência do que instrumentos de justiça.
Na cultura pop, muitos filmes, séries, livros e até jogos dialogam com o clima de angústia, opressão e contrassenso típico do universo kafkaniano.
É o caso do romance 1984, de George Orwell, que apresenta um regime totalitário em que a vigilância é constante e o pensamento é controlado. Ou da série Black Mirror, da Netflix, em que tecnologias criadas para facilitar a vida acabam controlando, reprimindo e até punindo os indivíduos.
Importante: nem tudo que é estranho é “kafkaniano”
É importante, entretanto, diferenciar o kafkaniano daquilo que é surreal ou gratuitamente absurdo. A estranheza de Kafka é diferente da dos sonhos: ela é profundamente enraizada na lógica da modernidade.
Por isso, para que um texto ou uma situação seja considerada kafkaniana não depende de elementos fantásticos, mas de um realismo que se torna sufocante pela forma como a racionalidade é levada ao extremo e acaba se voltando contra o indivíduo.
Ao contrário do surrealismo, que brinca com o imaginário e rompe com a lógica, o estilo kafkaniano parte de uma lógica interna rigorosa, mas sem sentido para quem está dentro dela. É esse contraste que gera o desconforto.
O que o adjetivo “kafkaniano” revela sobre nós?
A força da expressão kafkaniana está em mostrar que o absurdo, muitas vezes, não vem do caos, mas de uma ordem que deixou de servir à realidade individual e coletiva. Em vez de monstros ou catástrofes, Kafka nos mostra escritórios sem rosto, cartas que nunca chegam, portas que nunca se abrem e a sensação de que estamos sendo observados, mas ninguém vai nos ouvir.
Este é um sentimento que ainda ressoa, especialmente em tempos de hiper-burocratização, algoritmos que influem em nossas vidas sem permissão e processos sociais que funcionam mais para manter a própria estrutura do que para atender quem está dentro dela.
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