• Home
  • Destaque
  • Onde está Woody Allen? Cineasta fica fora de lista com melhores filmes do século

Onde está Woody Allen? Cineasta fica fora de lista com melhores filmes do século

No último dia 23 de junho, a lista dos 100 melhores filmes deste século organizada pelo The New York Times ganhou bastante destaque mundo afora. Mereceu especial atenção no Brasil, uma vez que Cidade de Deus (2002) figurou no 15º posto da enquete. O que não repercutiu em lugar algum não foi uma presença, mas uma ausência: Woody Allen, um gigante com serviços prestados ao cinema em sete décadas consecutivas e que completa 90 anos em novembro.

O New York Times anunciou que, para a montagem da lista que compreende filmes lançados entre janeiro de 2000 e o ano presente, foram convocadas 500 personalidades da sétima arte, entre diretores, atores, produtores, comediantes, compositores e produtores de conteúdo desse universo, que mandaram seus top 10 de filmes para a redação. O sul-coreano Parasita (2019) ficou com a medalha de ouro, seguido por Cidade dos Sonhos (2001), de David Lynch, Sangue Negro (2007), de Paul Thomas Anderson, Amor à Flor da Pele (2000), do chinês Wong Kar-Wai, e Moonlight (2016), de Barry Jenkins. 

A iniciativa de se montar um cânone cinematográfico deste século é muito válida, até porque já passamos por um quarto dele. Mas numa era em que a excelência por vezes fica em segundo plano para privilegiar origens, raças e comprometimento com agenda identitária, é normal que o cidadão olhe para essas eleições com certa desconfiança. Será que entre os 100 maiores longas-metragens desta era não haveria espaço para o recordista de indicações (16) e de prêmios (três) na categoria Melhor Roteiro Original do Oscar? 

Como o movimento Me Too destruiu a reputação do cineasta 

A última vitória de Woody Allen na categoria aconteceu em 2012, quando ele se tornou o roteirista mais velho a vencer em Roteiro Original (tinha 76 anos) por Meia-Noite em Paris. Depois disso, veio o estouro do movimento Me Too com o pronunciamento de Dylan Farrow, filha adotiva que disse ter sido molestada sexualmente na infância por Allen.  

O cineasta não foi processado nem penalizado por nada referente a esse caso, mas sua reputação foi assassinada, com direito a atrizes que trabalharam com ele anunciando publicamente que se arrependiam disso. 

Uma das artistas que vocalizaram arrependimento à época foi Rebecca Hall, que graças ao trabalho com Allen foi indicada ao Globo de Ouro de Melhor Atriz por Vicky Cristina Barcelona (2008). “Eu me arrependo de ter filmado com ele e não faria o mesmo hoje”, escreveu a atriz, em 2018, adicionando que doaria seu cachê por Um Dia de Chuva em Nova York (2019) para um fundo criado por mulheres de Hollywood destinado ao combate ao assédio sexual.  

No entanto, numa entrevista para o The Guardian no ano passado, Rebecca se mostrou desconfortável com a maneira como se comportou em 2018 e basicamente voltou atrás. “Não me arrependo de ter trabalhado com Woody Allen. Ele me deu uma ótima oportunidade de trabalho e foi gentil comigo.” 

Woody Allen foi lembrado por Mel Brooks  

Além dos já citados Meia-Noite em Paris e Vicky Cristina Barcelona, Allen teve outros dois filmes incensados e premiados de 2000 para cá: Ponto Final: Match Point (2005), que mostrou que Scarlett Johansson poderia render muito bem num thriller psicológico, e Blue Jasmine (2013), que encheu a prateleira de Cate Blanchett de prêmios, incluindo o cobiçado Oscar. Poucos votantes chamados pelo New York Times lembraram dessas obras em seus top 10 pessoais. 

Aos 99 anos, a lenda Mel Brooks, que estreou na TV americana na década de 1950 assim como Woody Allen, votou em Meia-Noite em Paris. O diretor Rob Marshall, vencedor do Oscar com Chicago (2002), também. Blue Jasmine foi escolhido pela atriz inglesa Naomi Ackie e pelo executivo da Sony Classics Tom Bernard. Já Mikey Madison, vencedora do último Oscar de Melhor Atriz por Anora, lembrou de Vicky Cristina Barcelona. E as menções a Allen por celebridades pararam aí. 

Woody Allen dirige Scarlett Johansson no primeiro filme que fizeram juntos (Foto: Divulgação)

Claro que a ausência de Woody Allen pode ter sido a mais chocante, mas não foi a única da lista do New York Times. Para começo de conversa, os leitores do jornal foram convocados a votar num top 100 à parte, e emplacaram filmes bem menos pretensiosos do que alguns apontados pelos entendidos, vide Dias Perfeitos (2023), Os Rejeitados (2023), Hereditário (2018) e Django Livre (2012). 

Entre os votantes ilustres, pelo menos cinco deles lembraram de Team America: Detonando o Mundo (2004). A animação feita pelo time de South Park levou votos de gente como Stephen Merchant, um dos criadores do The Office inglês, e do diretor de Joias Brutas, Benny Safdie, que também citou o documentário Senna (2010), assim como outros dois votantes da indústria.  

A diretora Sofia Coppola votou no ótimo Psicopata Americano (2000). O comediante Mike Bribiglia fez justiça a Sideways – Entre Umas e Outras (2004), enquanto Simu Liu, o Ken oriental de Barbie, lembrou de Trovão Tropical (2008). A Caça, filme dinamarquês de 2012, foi mencionado por James Murphy, da banda LCD Soundsystem, e pelo diretor iraniano de A Semente do Fruto Sagrado, Mohammad Rasouluof.  

Uma curiosidade para o Brasil é que as atrizes Pamela Anderson e Rachel Zegler incluíram outro filme daqui em seus top 10: A Vida Invisível (2019), de Karim Aïnouz. 

Incapacidade de fazer mea culpa 

Houve quem simplesmente desprezasse a empreitada do New York Times. “Ficou faltando muita coisa nessa lista. Ficaram faltando os filmes de Woody Allen e muito mais. Ela é muito focada na produção dos Estados Unidos. Para ser sincero, é um lixo de lista”, declarou o cineasta pernambucano Josias Teófilo.  

Vale dizer que, em 2018, no auge do Me Too, o jornal já tinha questionado o valor do diretor de Noivo Neurótico, Noiva Nervosa (1977) em um artigo de A. O. Scott com o inacreditável título “Seria Woody Allen um grande cineasta?” 

Para o crítico de cinema Roberto Sadovski, que é fã de Match Point, a possibilidade de alguém deixar de votar em Woody Allen pelo seu histórico controverso é mais do que remota atualmente. “É doido pensar isso, mas acho que Woody Allen ainda não teve o grande filme deste século. De qualquer forma, quem se importa se vão votar no homem ou não? O que vale é que os filmes dele estão aí”. 

Colunista da Gazeta do Povo, Francisco Escorsim, pensa diferente. “Acho que a exclusão de Woody Allen é fruto de cancelamento, mas com um elemento diferente. Não é que ele não tenha figurado na lista pelo suposto abuso da filha adotiva, mas, sim, pelo constrangimento dele ter sido absolvido e das pessoas serem incapazes de fazerem um mea culpa”, diz 

Ele segue: “Não colocar certos artistas, diretores e filmes que sejam controversos nessas listas de melhores tem menos a ver hoje com o cancelamento dessas pessoas e obras do que com não saber o que fazer com pessoas e obras que não são inteiramente puras. Tem o caso do ator Kevin Spacey também, que agora está tentando voltar a trabalhar. Rola esse constrangimento do retorno ser aceito, quem foi injustiçado sofre com isso.” 

Woody Allen, que muitas vezes não compareceu às cerimônias do Oscar em que concorria a algo porque sua banda de jazz tinha show em Manhattan na mesma noite, não deve estar dando a menor pelota para a lista do New York Times. Talvez esteja feliz pelo voto de Mel Brooks, se é que ficou sabendo disso.  

Neste ano, Allen planeja rodar seu 51º filme – que deveria ser ambientado na Itália, mas a falta de financiamento fez a locação mudar para Barcelona. Ele diz estar em dúvida sobre se aposentar após esse novo trabalho. Seu lema é “enquanto tiver gente bancando, seguirei filmando”.

VEJA TAMBÉM:

VEJA MAIS

Morre Roberto Duailibi, ícone da publicidade brasileira e fundador da DPZ

Morreu nesta sexta-feira (18) o publicitário Roberto Duailibi, um dos principais nomes da publicidade brasileira,…

Trump processa jornal por reportagem sobre Epstein e pede US$ 10 bilhões

A reportagem publicada na quinta-feira (17) afirma que Trump enviou a carta para Epstein em…

Frases da semana: “Vou levar jabuticaba pra você, Trump”

“Ao menos do ponto de vista econômico, a ordem global está mais defendida pela China…