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PGR denuncia Bolsonaro: a única coisa a fazer é tocar um tango argentino

Não finja surpresa. Você já sabia que a PGR, por meio do PGR, denunciaria o ex-presidente Jair Bolsonaro & outros 33 por tentativa de golpe de Estado. Se não sabia, fique sabendo: denunciou. E aproveite para saber que o STF receberá a denúncia de braços abertos. Barroso afetará imparcialidade. E, por fim, a mentira geral e suprema resultará na condenação de Bolsonaro, senão na Primeira Turma (5×0), no plenário (9×2, talvez).

Sobre a denúncia do Xará Gonet, muito já se falou e concordo. É frágil. É uma narrativa baseada no disse-me-disse. É uma obra mais política do que jurídica. Foi feita para conferir um ar de legalidade a uma perseguição motivada por uma rixa pessoal. Em resumo, é uma palhaçada que mostra a que ponto chegou a corrupção moral das instituições e dos homens que delas fazem parte.

Falta-me, porém, competência (na verdade, saco) para fazer mais uma indignada análise jurídica da denúncia. Deixo isso, pois, para quem entende. No lugar, e pedindo desde já desculpas a eventuais leitores que queiram apenas usar este espaço para compartilhar sua revolta (fiquem à vontade!), da qual compartilho, recorrerei a ela: a poesia.

Ei!

Ei, aonde você vai? Fica, por favor. Prometo que vai ser mais legal do que você imagina. Tá bom, tá bom. No final você pode se revoltar e usar a caixa de comentários para jogar os cachorros para cima do Paulo Gonet e do STF, ok? Mas vê se lê o texto inteiro. Só hoje. Tô te pedindo…

Tuberculose

Poesia numa hora dessas, Paulo? Sim, poesia. E na hora mais propícia, que é justamente quando a prosa, com seu apego ferrenho à realidade e à lógica gramatical, não dá conta de expressar direito o que está acontecendo, o que vai acontecer e principalmente a balbúrdia que deve estar a cabeça do leitor neste momento de insanidade jurídica e política generalizada.

Para tanto, usarei o poema “Pneumotórax”, do grande e narigudo Manuel Bandeira. Você há de se lembrar das aulas de literatura ou do perfil biográfico que escrevi sobre o poeta: ainda muito jovem, Bandeira foi diagnosticado com tuberculose. Contrariando todas as expectativas, ele viveu para além dos 80 anos.

Então acho que Bandeira sabia uma coisa ou outra sobre essa coisa de receber más notícias e enfrentar as consequências delas. E aqui pedirei novamente desculpas, desta vez por ser tão explícito, mas é o jeito: por favor, entenda que a atual denúncia da PGR contra Bolsonaro equivale ao diagnóstico da tuberculose num menino de 17 anos no começo do século XX.

Isto é, por mais fantasiosa que pareça e seja, a caudalosa e vazia peça escrita por Paulo Gonet é um desengano que talvez no futuro possa se mostrar errado. Mas que por algum tempo ainda pairará como ameaça de morte (ou prisão ou perseguição ou até tortura psicológica) sobre a cabeça não só de Bolsonaro, dos demais denunciados e daquele seu amigo bolsonarista inveterado. Não! A ameaça pairará sobre todo mundo que ouse contestar o poder absoluto do STF.

Tosse, tosse, tosse

Assim começa o famoso poema de Manuel Bandeira:

“Febre, hemoptise, dispneia e suores noturnos.
A vida inteira que podia ter sido e que não foi.
Tosse, tosse, tosse”.

Esses somos nós, bolsonaristas ou não, que ainda ousamos contestar o poder absoluto do STF. Que nos arriscamos diariamente apenas por apontarmos os abusos da corte suprema e seus ministros, e por isso somos vistos como antidemocráticos, quando não fascistas.

Se você olhar bem, está tudo aí, nestes três versinhos do poema: no primeiro, a denúncia da PGR e a provável condenação de Bolsonaro (que, insisto, equivale à condenação de todo um espectro ideológico: a direita); no segundo, a sensação de que, enquanto Bolsonaro era presidente, ele poderia ter feito alguma coisa, qualquer coisa, para impedir o abuso de poder do STF, mas não fez; no terceiro, nosso esperneio impotente nas redes sociais, numa tentativa desesperada (ainda que digna e até nobre) de usar a razão para argumentar com militantes que se consideram heróis de uma resistência imaginária.

E também com meros canalhas.

Respire

O poema, que é curto, continua com a chegada do médico e a beleza macabra (com um quê de cômica) do exame, que culmina com a ordem “Respire”. Ora, justo a um tuberculoso?! Detalhe: o fato de Bolsonaro ter sido denunciado com outras 33 pessoas e de o médico do poema pedir que o doente fale “trinta e três” é apenas uma coincidência. Não me vá criar uma teoria da conspiração em cima disso, hein!

“Mandou chamar o médico:

— Diga trinta e três.
— Trinta e três… trinta e três… trinta e três…
— Respire”.

Não sei você, mas eu leio esses versos e penso na nossa esperança. Na esperança boa e santa, sim. Aquela que nasce de uma submissão à vontade de Deus e que vale muito a pena cultivar. Recomendo forte.

Mas também na esperança falsa, vendida por mercadores de um otimismo calculado e entregue em 72 horas eternamente prorrogáveis, tic-tac e o escambau. Uma esperança que, por estar ancorada na mentira intere$$eira, em fatos mal ajambrados e no espírito imediatista do nosso tempo, escraviza. Esperança essa que, nos piores casos, rende até 17 anos de prisão.

Não

……………………………………………………………………….

— O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e o pulmão direito infiltrado.
— Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax?
— Não.

Eis então que a tortura da respiração, da esperança falsa, se prolonga para além do que as palavras conseguem expressar. Tanto que Bandeira usa uma linha pontilhada antes de recorrer a um diálogo duro e, para nós, com várias associações possíveis. Quem fala primeiro é o médico, num diagnóstico simples, mas também cheio de conhecimento técnico e vazio de alma.

O paciente, então, recorre aos seus parcos conhecimentos científicos para, ousadamente, sugerir ao médico uma saída: o pneumotórax, que consistia em causar um colapso (!) no pulmão por meio da injeção de nitrogênio. Era um procedimento rápido, mas doloroso. Traumático. Mas era o tratamento disponível na época.

O problema é que o todo-poderoso médico, que também é juiz e carrasco, já decidiu: não. Aí está a convicção teimosa, caprichosa e voluntariosa de Alexandre de Moraes & Cia. A negativa arrogante e insensível que condena toda uma vida ao medo da morte precoce.

Resignação inteligente

Eis que Bandeira conclui o poema com o verso que, ao longo do tempo, acabou sendo usado como sinônimo de resignação. A tal ponto que se tornou praticamente um lugar-comum. Use com parcimônia, portanto.

A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.

A resignação, assim com a esperança, tem dois lados. Um deles é passivo e derrotado. Estou falando daquela resignação que se resume a ficar sozinho na praça, dando de comer às mágoas. É a resignação burra – uma bomba-relógio que, quando explode, e sempre explode, asfixia tudo ao redor com a névoa negra da vingança.

O outro lado da resignação é o que Bandeira propõe ao dizer que, diante da doença e da teimosia perversa do médico, a única coisa a fazer é aceitar com alegria o desafio. E, antes que você me pergunte, que imagem deliciosa e ironicamente genial é a da alegria expressa pelo sofrimento ridículo de um melodramático tango argentino!

Aceitemos, pois, que a Constituição não significa mais nada, que os ministros atuais perverteram a função institucional do STF e que o nobre poder de promover a justiça está sendo pateticamente usado para perseguir e se vingar dos adversários polítcos. Aceitemos ainda que Bolsonaro + 33 serão condenados. Possivelmente presos.

E, resignados diante dessa realidade, enfrentemos tudo como um desafio no fundo ridículo e algo incoerente. Como a enfática sentença de morte dada por um médico também ele mortal. Se é que me faço entendido. Agora aumente o volume e:

Por una cabeza, de un noble potrillo
Que justo en la raya, afloja al llegar
Y que al regresar, parece decir
No olvides, hermano
Vos sabes, no hay que jugar

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