Para tristeza de 9,99 em cada 10 crianças do planeta, jamais veremos pinguins e ursos-polares no mesmo ambiente (a não ser que algum psicopata resolva soltar um urso no recinto dos pinguins do zoológico). Essas aves, seja de que espécie forem, quase sempre só podem ser encontradas no hemisfério Sul, embora, é claro, ambientes frios não faltem no hemisfério Norte —ao menos por enquanto.
A ausência de pinguins em terras boreais fica ainda mais intrigante quando a gente se dá conta de que os bichos não são nem de longe exclusivos da Antártida —aliás, há mais espécies fora do continente gelado do que nele.
Existem, por exemplo, pinguins africanos (Spheniscus demersus) flanando pelas praias da Cidade do Cabo. Há até os das ilhas Galápagos (Spheniscus mendiculus), na mesma latitude que o Equador (tanto a do país quanto a da linha imaginária), ou seja, no lugar mais ensolarado da Terra. São animais que se deslocam por milhares de quilômetros de mar com relativa facilidade. Como é que eles não conseguiram colonizar as regiões próximas do Ártico?
Uma possível resposta para esse enigma foi publicada recentemente por uma dupla de pesquisadores do Departamento de Zoologia da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais). Em artigo no periódico científico Journal of Biogeography, Amanda Mourão Santos e Ubirajara Oliveira cruzaram uma ampla gama de dados, usando boa parte do que sabemos sobre a trajetória evolutiva dos pinguins e sobre as características climáticas e de recursos naturais de seus habitats mundo afora.
A ideia era tentar entender se a distribuição atual de ambientes efetivamente habitados pelos bichos bate com os habitats que seriam favoráveis à presença deles. Em outras palavras, será que haveria por aí lugares com “buracos” ecológicos nos quais espécies de pinguins poderiam se encaixar? E como isso se relaciona com a maneira como o grupo evoluiu ao longo de dezenas de milhões de anos?
Com base em modelagens que levaram tudo isso em conta, a dupla concluiu que a explicação mais provável tem a ver com o chamado conservadorismo filogenético de nicho —ou seja, com o fato de que o grupo manteve, ao longo do tempo, as preferências por determinados habitats que eram típicas de suas origens evolutivas.
Isso significa que mesmo os pinguins não antárticos dependem de correntes marinhas com águas frias e ricas em nutrientes (e, portanto, também cheias de peixes para capturar) onde quer que estejam. Correntes marinhas desse tipo chegaram a levar alguns desses bichos até as Galápagos (muito ligeiramente ao norte do Equador), mas trata-se de um caso raro.
Segundo as projeções da equipe, ambientes favoráveis às aves até existem do lado oposto do globo, em locais como a Groenlândia e regiões do litoral da Califórnia, da Rússia e do Japão, mas o grande desafio é atravessar o “deserto” de águas frias e piscosas que há no meio do caminho. E, claro, ser capaz de se reproduzir depois de tamanho ordálio.
Por fim, o fato de os pinguins formarem colônias de casais, que sempre voltam às mesmas praias do ano anterior para fazer ninhos, também pode “segurar” os bichos numa faixa mais estreita de seus habitats possíveis. A evolução nunca corresponde a possibilidades ilimitadas: está mais para uma história cujo fim é fortemente influenciado pelo que aconteceu lá no começo.