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Por que um ministro do STF precisa de um relógio de R$600 mil?

Minha amiga Paula Marisa pergunta: como alguém que ganha um salário de R$ 45 mil consegue comprar um relógio de R$ 600 mil? Ela está falando de um ministro do STF cujo nome vou me esforçar ao máximo para não mencionar aqui, mas que vocês sabem quem é. A pergunta da Paula é pertinente, mas no texto de hoje vou propor que se troque o “como” pelo “por que”*.

Tenebrosas transações

A mudança na pergunta exige que se mude também o olhar sobre os ministros do STF – mais especificamente sobre esse cujo nome, já disse, não vou mencionar nem sob tortura. O “como” pressupõe tenebrosas transações, do tipo que subtrai a nossa pátria-mãe tão distraída desde a música do Chico Buarque. Não estou dizendo que elas não ocorram. Mas, se elas ocorrem de fato, me interessa mais entender por quê.

Nanossegundo

O que leva um ministro do STF a exibir todo orgulhosão um relógio avaliado em R$600 mil? Será que é apenas o valor pecuniário do objeto? Ou será que ele faz questão mesmo de possuir um relógio que não atrase nem um mísero nanossegundo? Afinal, ele não pode chegar atrasado ao Grande Combate em Defesa da Democracia. Ou será que ele já perdeu a noção da realidade a ponto de achar que R$600 mil e R$600 são a mesma coisa? É sempre uma possibilidade…

Predileção divina

Mas o mais provável mesmo é que o relógio de R$600 mil sirva para expressar o orgulho vaidoso típico desta nossa época cafona e malévola, na qual os sinais exteriores de poder e abundância são ostentados como prova da predileção divina. Só que, no caso do ministro, o deus que o privilegia é outro. É o Estado, que prometeu ao coitado o reino neste mundo – e ele, ao que parece, aceitou.

Sucesso sem propósito

O relógio, pois, se comunica com um a plateia que enxerga nesses sinais externos algo a se almejar: o sucesso sem outro propósito que não a noção mundana de sucesso. Isto é, dinheiro, privilégios, bajulação e um poder imensurável. Não me refiro, aqui, ao poder de prender e soltar, de perseguir e escravizar; estou pensando é no poder de destruir a imagem que nós, que recusamos teimosamente o pacto, fazemos da Justiça e, por conseguinte**, da esperança.

Desejo ancestral

Trata-se de uma manifestação do orgulho, no pior sentido de um termo que não tem sentido bom, apesar das maquiagens recentes. Orgulho sempre foi, é e continuará sendo uma tradução simples do desejo ancestral de se rebelar contra Deus a fim de assumir o lugar Dele – nem que seja apenas no imaginário popular. E agora você vai me perguntar se esse artifício funciona e eu responderei no parágrafo abaixo.

Não estou ficando doido, não!

Funciona, sim. Sobretudo num tempo em que a modéstia e humildade se tornaram virtudes ridicularizadas pelos tais formadores de opinião. E o pior: inspira o populacho (termo que uso sem distinção de classe social) a preencher o vazio de suas vidas com essa ambição tola e – não estou ficando doido, não! – fracassada. Fracassada justamente porque precisa da opulência para se fazer notada e circunstancialmente admirada. Ou você acha que essa aparente admiração se prolongará pela Eternidade?

Esgoto a céu aberto

No final das contas, o relógio de R$600 mil serve para esconder a miséria interior de alguém que, independentemente do salário de R$45 mil, das viagens de jatinho, das mordomias, dos puxa-sacos e do poder absoluto, vive num barraco moral com paredes de frases feitas e sem lugar para virtudes como a modéstia e a humildade. É o luxo que denuncia alguém que exerce a outrora nobre função de juiz tendo o esgoto de sua estupidez truculenta correndo a céu aberto. Uma lástima.

Asteriscos

* Sei que o porquê substantivado se escreve assim como acabei de escrever, junto e com acento. Mas, nesse caso, como o porquê está entre aspas, achei por bem mantê-lo em sua forma interrogativa, separado e sem acento. Explicando porque, bom, você sabe: sempre, tem, um, chato.

** “Por conseguinte”? Só faltou o trema. Será que esse texto foi mesmo escrito por mim?

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