O empresário Roberto Justus comprou uma bolsa de R$ 14 mil para a filha de 5 anos e, como reação, recebeu pedidos de “guilhotina” por parte da esquerda radical.
Já a esquerda mais moderada repudiou o apelo à violência, mas insistiu na tese de que a aquisição é um absurdo porque muitas pessoas no mundo não têm o que comer.
A verdade é que ninguém perde quando Roberto Justus (ou a mulher dele, Ana Paula Siebert) presenteia a filha com uma bolsa de R$ 14 mil. O valor, aliás, é R$ 13 mil mais barato que uma das bolsas de Érika Hilton, integrante da Câmara dos Deputados e membro do PSOL. Ironicamente, até a marca é a mesma.
Por que a bolsa custa tão caro
O item que chocou os defensores do socialismo é da marca italiana Bottega Veneta, e aparece numa singela fotografia de família publicada pelos Justus no Instagram.
Fundada em 1966, a Bottega Veneta desenvolveu uma técnica própria de produzir itens de couro — o intrecciato, ou “entrelaçado”. O resultado é um material mais flexível e, ao mesmo tempo, mais durável que o dos concorrentes.
As bolsas são feitas uma a uma, a mão, em um processo artesanal. A fabricação é na Itália — e não na China, onde a mão-de-obra barata é explorada por outras marcas internacionais.
Além disso, as lojas da Bottega Veneta estão em áreas de luxo, e os vendedores recebem salários acima da média de mercado. Tudo isso ajuda a explicar o preço alto do produto.
E se o valor da bolsa da filha de Roberto Justus for exagerado?
Mesmo com todos os diferenciais da Bottega Veneta, é provável que o valor das bolsas da marca esteja muito acima do preço de custo quando se leva em conta o material e a mão-de-obra. A diferença entre o preço de custo e o valor cobrado dos consumidores é o chamado markup. Ele existe em qualquer modalidade de comércio porque, sem ele, não há como ter lucro. E, sem lucro, não existe incentivo para que fábricas e lojas continuem existindo.
Para itens mais simples, como um caderno, o markup é baixo porque o consumidor não está disposto a pagar mais caro. No mercado de luxo, a lógica é diferente e o markup frequentemente chega a 3.000%. Mas isso não quer dizer que alguém foi lesado na transação.
As marcas de luxo cobram mais caro e têm um markup elevado porque elas vendem, além do material de qualidade, os clientes querem exclusividade e status. Pode ser fútil ou excêntrico, mas não é razão para guilhotina.
Roberto Justus, um homem de negócios, sabe como o mercado funciona. E, mesmo sabendo, ele está disposto a comprar a bolsa da Bottega Veneta por R$ 14 mil. Do outro lado, a Bottega Veneta está disposta a vender a bolsa pelos mesmos R$ 14 mil.
Pelo que se sabe, a marca italiana não recorre a mão-de-obra escrava. Os funcionários da empresa recebem o salário que aceitaram receber — e que desapareceria se o mercado de bolsas de luxo deixasse de existir.
Hoje, Bottega Veneta pertence ao grupo francês Kering, que também é dono da Gucci e atende o público de alto padrão.
Os R$ 14 mil que saíram do bolso dos Justus não foram direto para os cofres da Kering. Parte deles seguiu para o bolso de trabalhadores comuns: os funcionários que fabricam a bolsa, os vendedores, os motoristas de caminhão que transportam os itens de luxo. Sem contar os impostos que, no Brasil ou na Itália, financiam ações que beneficiam a sociedade.
A demanda dita os rumos do mercado. Se ninguém estiver disposto a pagar R$ 14 mil pelo item da Bottega Veneta, ela não será vendida.
É a extravagância inofensiva de pessoas como Justus que mantém esse setor vivo.
Economia não é jogo de soma zero
Se todas as pessoas que produziram a bolsa atuaram por vontade própria, e se Roberto Justus comprou a bolsa porque quis, ninguém foi lesado na transação.
E este é o principal erro da análise econômica socialista: a economia não é um jogo de soma zero. O dinheiro gasto por Roberto Justus não foi desviado das famílias miseráveis do Piauí.
Se Justus não fosse dono de uma construtora, ou se a Bottega Veneta fosse expropriada pelo Estado, os pobres continuariam pobres — talvez ainda mais pobres, porque não haveria Justus para pagar impostos e movimentar a economia com seus gastos excêntricos.
Eu, o Lápis
O sistema de livre mercado é a forma mais eficiente de alocar recursos em uma sociedade complexa.
Um ensaio clássico do economista Leonard Reader mostra como um simples objeto como o lápis envolve uma colaboração indireta entre um grande número de pessoas.
No texto, um lápis apresenta sua árvore genealógica: ele tem madeira da Califórnia, grafite do Sri Lanka, argila do Mississípi e assim por diante.
Cada uma das pessoas envolvidas na cadeia de produção e comercialização do lápis coopera com desconhecidos porque, em troca, receberá algo (dinheiro) que poderá ser usado para adquirir bens e serviços que necessita. Nenhum deles sabe como fazer um lápis do começo ao fim, e eles jamais conhecerão os compradores do lápis que fabricaram. Mas este não é um problema.
“Enquanto contemplava, sentado, a miraculosa composição de um simples lápis de carvão, um pensamento veio-me à cabeça: aposto que não há pessoa na Terra que saiba como fazer uma coisa tão simples como um lápis”, explica Reader, no preâmbulo do ensaio.
No caso da bolsa, “simples” talvez não seja o melhor adjetivo. Como objetos de luxo, esses produtos exigem múltiplas etapas de produção que começam com o designer e passam por dezenas de pessoas até chegar às mãos da família Justus.
Bolsa de Justus não afeta a desigualdade
A bolsa da Bottega Veneta é cara porque carrega o status da marca. Mas isso tampouco prejudica a distribuição de renda. “É preciso distinguir ostentação de desigualdade econômica real”, diz Allan Gallo Antonio, professor e pesquisador do Centro Mackenzie de Liberdade Econômica.
Antonio explica que, no livre mercado, as trocas são voluntárias: “Quando alguém compra uma bolsa de R$ 14 mil, isso não significa que está tirando esse valor de outra pessoa. Na lógica de mercado, essa compra é uma troca: quem compra valoriza o bem mais do que o dinheiro, quem vende valoriza o dinheiro mais do que o bem”.
“O que sustenta a desigualdade não é o consumo de artigos de luxo, mas distorções criadas por privilégios legais, monopólios, subsídios direcionados e barreiras artificiais que dificultam a concorrência”, conclui o professor.
A ostentação da filha de Roberto Justus não prejudicou ninguém. Não se pode dizer o mesmo de certos políticos.