Cachorros levam bolinhas e gravetos até seus tutores para brincar, gatos às vezes deixam pequenas presas como presentes para seus humanos e agora orcas selvagens aparentemente também oferecem objetos para pessoas.
Pesquisadores registraram 34 casos, de 2004 a 2024, em que baleias-assassinas (Orcinus orca) estariam oferecendo presas ou outros objetos para seres humanos. O estudo com os registros foi publicado no fim de junho no periódico científico Journal of Comparative Psychology.
As supostas tentativas de ofertas foram documentadas em diferentes oceanos pelo mundo. Ao todo, o grupo de pesquisa documentou 18 espécies animais sendo supostamente oferecidas pelas orcas.
Em 11 eventos, as pessoas estavam na água; em 21, em embarcações; e no restante, na costa.
“Em quase todos os casos, as orcas aguardavam uma resposta humana antes de reagir”, escrevem no estudo os pesquisadores. Os autores do trabalho são Jared Towers, do instituto Bay Cetology (Canadá), Ingrid N. Visser, do instituto Orca Research Trust (Nova Zelândia), e Vanessa Prigollini, da ONG Marine Education Association (México).
Segundo eles, esses casos aparentemente não são aleatórios e poderiam ser uma espécie de altruísmo generalizado entre espécies. “Este comportamento pode representar alguns dos primeiros relatos de qualquer predador selvagem usando intencionalmente presas e outros itens para explorar diretamente o comportamento humano e, assim, pode destacar a convergência evolutiva do intelecto entre os primatas de ordem superior e os golfinhos.”
Os autores da pesquisa afirmam que registros de animais selvagens oferecendo algo a humanos é extremamente raro. Eles citam como exemplos crianças abandonadas sendo alimentadas por lobos ou primatas, além de focas-leopardos (Hydrurga leptonyx) e falsas-orcas (Pseudorca crassidens) disponibilizando presas para mergulhadores.
De acordo com o estudo, usualmente o compartilhamento de caça está envolvido com parentesco. Mas, quando esse não é o caso, algumas possibilidades entram em jogo.
Por exemplo, dividir presas pode estar relacionado somente à tolerância a um pequeno roubo de comida —afinal, seria mais trabalhoso retaliar, então acaba sendo mais vantajoso evitar a fadiga.
Outra possibilidade, mencionada no estudo, é que o compartilhamento pode levar à reciprocidade futura, criando-se uma situação de cooperação.
Os pesquisadores mencionam ainda que, considerando que golfinhos ocasionalmente ajudam outras espécies, eles demonstrariam tendências altruísticas —e, vale lembrar, orcas são enormes golfinhos.
E o que fazer se uma orca te oferecer uma presa? É uma decisão particular, mas, ao menos no caso das pessoas que presenciaram e documentaram as ofertas de itens, a maior parte ignorou a ação das orcas.
Houve, porém, um caso no qual uma pessoa pegou o que lhe foi oferecido. Era uma ave conhecida como airo (Uria aalge). Se você estiver preocupado com a descrição do que está por vir, tranquilize-se. A pessoa examinou a ave e a colocou de volta na água. E o que a documentação afirma ter acontecido em seguida é surpreendente: as orcas recuperaram o animal e o devolveram à pessoa.
O cadáver de uma ave torda-miúda-do-pacífico (Synthliboramphus antiquus) também foi recolhida por pessoas e depois colocada de volta na água. Uma baleia pegou a ave morta e supostamente a ofereceu à pessoa, segundo os pesquisadores e como pode ser visto no vídeo no início desta reportagem.
A questão que fica é: o que motivaria as orcas a fazer isso?
Os pesquisadores não arriscam uma resposta definitiva, porém apontam possibilidades —uma delas, inclusive, um tanto quanto chocante.
Segundo os cientistas, havia, pelo menos, curiosidade das orcas em relação aos humanos, ao ponto de elas oferecerem objetos para promover interação conosco.
Buscar interação? Sim, não se esqueça de que estamos falando de um animal muito inteligente. Os cientistas apontam registros antigos de orcas selvagens caçando de modo cooperativo com humanos na Austrália durante várias décadas e potencialmente na Rússia por gerações.
“Oferecer itens aos humanos poderia, simultaneamente, incluir oportunidades para as orcas praticarem comportamentos culturais aprendidos, explorarem ou brincarem e, ao fazê-lo, aprenderem sobre, manipularem ou desenvolverem relacionamentos conosco”, escrevem os cientistas. Considerando as habilidades cognitivas e a natureza social e cooperativa da espécie, qualquer uma ou todas essas possibilidades podem ser verdadeiras.
Há, ainda, uma outra possibilidade, um tanto assustadora.
“Não sabemos o objetivo final dos casos relatados aqui ou mesmo se havia algum, mas orcas em cativeiro são conhecidas por usar presas mortas para atrair outras espécies e depois matá-las, mas nem sempre comê-las. Por outro lado, suspeita-se que orcas selvagens realizem matanças excedentes de espécies de presas, bem como interajam com espécies que não são presas até que morram”, escrevem os pesquisadores.
Exatamente por esta última possibilidade, os autores do estudo alertam contra a busca por tais interações.