A proporção de materiais reciclados usados globalmente vem diminuindo em relação ao aumento progressivo e exponencial no uso de matérias-primas virgens, o que tem pressionados os sistemas naturais do planeta e aumentado as emissões de gases de efeito estufa ligados à crise climática.
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Hoje, apenas 6,9% das 106 bilhões de toneladas de materiais utilizados anualmente pela população global têm origem na reciclagem, o que representa uma queda de 2,2 pontos percentuais em relação a dez anos atrás. Com isso, quase 90% dos materiais extraídos, manufaturados e consumidos globalmente se tornam resíduos e não são reinseridos na economia.
É o que aponta o Circularity Gap Report 2025, relatório produzido pela consultoria Deloitte e pela organização internacional Circle Economy, que atua na transição global de um modelo de economia linear, baseado na tríade extrair, produzir e descartar, para uma economia circular, que propõe uma abordagem sistêmica para reduzir o uso de recursos, minimizar a produção de resíduos e regenerar sistemas naturais.
O relatório foi lançado nesta semana durante o 8º Fórum Mundial de Economia Circular, que aconteceu pela primeira vez na América Latina, em São Paulo, e aponta que o consumo global de materiais está ultrapassando o crescimento populacional e gerando mais resíduos do que os atuais sistemas de reciclagem conseguem absorver.
O relatório indica que a extração global de materiais mais do que triplicou nos últimos 50 anos enquanto a população global não cresceu na mesma taxa. O consumo per capita aumentou de 8,4 toneladas anuais em 1970 para 12,2 toneladas em 2020, impulsionado pela urbanização e pelo crescimento do PIB.
“Nossa análise é clara: mesmo no mundo ideal, não podemos resolver a tripla crise planetária [biodiversidade, clima e poluição] apenas com a reciclagem. A transformação sistêmica tão necessária demanda uma mudança profunda. Todos precisamos fazer escolhas diferentes, ser ousados e investir para implementar soluções circulares“, afirma Ivonne Bojoh, CEO da Circle Economy.
Ainda assim, a reciclagem —homenageada pela Unesco com um Dia Mundial da Reciclagem neste 17 de maio— é peça fundamental para o combate às emissões.
“A reciclagem é como uma mineração urbana. E se implementarmos uma plena reciclagem nós não precisaríamos mais minerar tanta matéria-prima virgem”, aponta Marcelo Souza, autor de “Reciclagem de A a Z: circularidade de recursos para um futuro sustentável”.
“A emissão de carbono equivalente para se obter uma tonelada de alumínio virgem, por exemplo, é mais de 90% maior do que aquele emitido para se obter o alumínio reciclado”, exemplifica Souza, que é CEO da indústria Fox.
O Circularity Gap Report 2025 destaca que a maioria dos materiais reciclados provém de resíduos industriais e de demolição, enquanto uma fatia menor vem de resíduos domésticos (3,8%), o que indica grande potencial de crescimento. O estudo aponta que, se fosse possível reciclar todos os materiais possíveis, a circularidade global aumentaria de 6,9% para 25% sem redução de consumo. Mas afirma que os sistemas de reciclagem atuais são não inadequados e ineficientes.
“O ideal é que nós conseguíssemos reaproveitar tudo o que é possível e reinserir tudo na cadeia produtiva, o que nos permitiria reduzir a extração de matérias-primas virgens, incrementar a economia do país e garantir trabalho decente para milhares de pessoas que atuam neste setor“, afirma Dione Manetti, responsável técnico pelo Anuário da Reciclagem, publicação que faz um raio-x dos catadores de materiais recicláveis.
“Até lá, temos uma transição a fazer”, avalia ele, que é presidente do Instituto Caminhos Sustentáveis. “O desafio é o governo brasileiro o incentivo à reciclagem por meio de investimentos em cooperativas e associações de catadores mas também por uma política tributária que torne atrativo para o mercado trabalhar mais com matéria-prima reciclável do que com matéria-prima virgem.”
Segundo ele, não tem como ampliar índices de reciclagem no Brasil quando algumas matérias-primas são mais baratas quando extraídas da natureza do que quando recuperadas do resíduo que é descartado, o que inverte a lógica do resgate e reaproveitamento desses materiais.
Com isso, nem tudo o que é reciclável acaba, de fato, sendo reciclado, o que fica muito evidente nos dados oficiais disponíveis sobre o setor de reciclagem no Brasil: o país recicla apenas 8% dos resíduos sólidos urbanos recicláveis. O Brasil produz mais de 80 milhões de toneladas de resíduos por ano. Cerca de 40% é composto por resíduos secos recicláveis.
O gargalo começa já no descarte. Segundo pesquisa Datafolha apontou que 1 a cada 3 brasileiros que têm coleta seletiva não separam resíduos em casa e segue na estrutura de coleta seletiva, existente em cerca de 1 a cada três cidades do país, e nos sistemas de triagem dos materiais.
Para Telines Basilio do Nascimento Junior, 59, o Carioca, presidente da Coopercaps, uma das maiores cooperativas de catadores de materiais recicláveis do país, a infraestrutura é um dos principais gargalos ao aumento da reciclagem no Brasil.
“Há municípios sem coleta seletiva, poucas centrais de triagem operadas por catadores e organizações sucateadas. Se aumentar a coleta de materiais, essas cooperativas e associações de catadores não vão conseguir suportar o aumento da demanda”, aponta ele, para quem também falta educação ambiental e campanhas de conscientização da população sobre a importância da separação de resíduos.
A educação ambiental é considerada fundamental para uma mudança de comportamento, que especialistas apontam que precisa ser profunda. “Ficamos 250 anos sendo bombardeados com a ideia de que o belo é o material virgem. E agora chegou a hora de projetar produtos cuja beleza seja reciclada”, diz Souza.
Beatriz Luz, fundadora do Hub de Economia Circular Brasil destaca também o imperativo de uma mudança cultural. “É preciso que o resíduo vire uma coisa nova, uma matéria-prima capaz de ganhar escala dentro de uma cadeia integrada. Para gerar demanda do mercado, é fundamental estruturar novas relações comerciais e novos modelos de governança. Caso contrário, lixo vai continuar a ser considerado apenas lixo, e as discussões vão permanecer restritas a gestores de resíduos e autoridades.”