Talvez alguns tornozelos sejam melhores que os outros. Jair Bolsonaro, agora obrigado pela Justiça a usar tornozeleira eletrônica, não teve a mesma sorte de alguns figurões da política nacional.
Mesmo tendo sido alvos de graves acusações (incluindo corrupção, lavagem de dinheiro e improbidade administrativa), outros políticos brasileiros jamais conheceram medidas tão restritivas. Muitos deles responderam a processos com liberdade irrestrita, sem tornozeleira, sem horário de recolhimento domiciliar, e, na sua maioria, com os processos convenientemente arquivados no Supremo Tribunal Federal.
Veja oito exemplos de políticos investigados que continuam livres.
1. Aécio Neves
O deputado federal Aécio Neves (PSDB-MG) foi um dos nomes citados na delação da JBS durante a Operação Lava Jato. Em 2017, quando era senador, ele chegou a ser afastado temporariamente do cargo após ser acusado de receber R$ 2 milhões da J&F. Aécio respondeu ao processo em liberdade, sem tornozeleira eletrônica. Sua irmã, a jornalista Andrea Neves, foi presa preventivamente por dois meses naquele mesmo ano. Segundo as investigações, foi ela quem procurou o empresário Joesley Batista para solicitar o valor, que, de acordo com Aécio, seria usado em sua defesa. Mas o dinheiro acabou sendo rastreado até a conta do então senador Zezé Perrella. A entrega foi monitorada pela Polícia Federal e envolveu também o primo de Aécio, Frederico Pacheco, que foi preso durante a Operação Patmos.
Anos depois, em 2023, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região manteve a absolvição de Aécio, Andrea Neves e Frederico Pacheco do crime de corrupção passiva nesse caso. Em 2024, o deputado teve dois outros inquéritos arquivados: um na 2ª Turma do STF, que investigava um suposto pagamento de propina pela empreiteira OAS, e outro encerrado pelo ministro Gilmar Mendes, relacionado a gastos de R$ 2,5 milhões não declarados na campanha presidencial de 2014. Com isso, Aécio viu várias das acusações contra ele serem encerradas pelo Judiciário.
2. Romero Jucá
O ex-senador Romero Jucá (MDB-RR) envolvido em escândalos desde os anos 80 enfrentou diversas investigações por corrupção e lavagem de dinheiro ao longo da carreira, especialmente no âmbito da Lava Jato. Apesar dos escândalos e inquéritos no Supremo Tribunal Federal (STF), Jucá nunca foi preso nem precisou usar tornozeleira eletrônica. Em 2018, ele passou a ser investigado por supostamente ter recebido R$ 4 milhões em propina da empreiteira Odebrecht.
Dois anos depois, em 2020, o parlamentar foi denunciado pelo Ministério Público Federal do Paraná por envolvimento em um esquema de corrupção ligado a contratos firmados entre 2008 e 2012 com as empresas NM Engenharia e Odebrecht Ambiental. Já em 2024, o ministro Edson Fachin, do STF, arquivou um inquérito que apurava o repasse de R$ 5 milhões da Odebrecht (hoje Novonor) a Jucá e ao senador Renan Calheiros (MDB-AL), em 2014. Fachin também o absolveu em outro processo que investigava um suposto favorecimento à empresa Hypermarcas (atual Hypera Pharma) no Senado em troca de propina.
3. Renan Calheiros
O senador Renan Calheiros (MDB-AL) é um dos políticos com o maior histórico de investigações no Supremo Tribunal Federal (STF). Ele acumula dezenas de inquéritos ao longo dos anos, a maioria ligada a suspeitas de corrupção. Mesmo assim, nunca foi condenado, preso ou obrigado a usar tornozeleira eletrônica. A série de processos arquivados ajuda a explicar como ele conseguiu atravessar tantas turbulências políticas mantendo influência em Brasília.
Em 2024, por exemplo, o ministro Flávio Dino determinou o arquivamento de um inquérito que investigava a relação de Calheiros com Milton Lyra, apontado como lobista de membros do MDB no Postalis, fundo de previdência dos Correios. No mesmo ano, outro caso — dessa vez envolvendo a empresa Hypermarcas (atual Hypera Pharma) — também foi encerrado. Nele, a Polícia Federal havia indiciado Calheiros por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e organização criminosa, apontando o recebimento de R$ 20 milhões em troca de incentivos fiscais. Em outubro, o ministro Edson Fachin mandou arquivar o processo. Já em fevereiro de 2025, foi a vez de Luiz Fux encerrar mais um inquérito, que investigava repasses de propina ligados ao setor portuário. Mesmo com tantos episódios, o desfecho foi sempre o mesmo: sem condenação definitiva.
4. Lindbergh Farias
O deputado federal Lindbergh Farias (PT-RJ) foi acusado por um ex-diretor da Petrobras de ter pedido e recebido R$ 2 milhões em dinheiro ilegal na campanha de 2010, quando concorreu ao Senado. A investigação entrou no pacote da Lava Jato, mas Lindbergh escapou da condenação em 2023.
Outro caso mais antigo envolvia suspeitas de que ele teria participado de um esquema de pagamentos para membros do Ministério Público e do Judiciário, na época em que foi prefeito de Nova Iguaçu (RJ), entre 2005 e 2007. Esse inquérito foi arquivado em 2014 por decisão do ministro Gilmar Mendes. Mesmo escapando das acusações criminais, ele foi condenado em 2023 por improbidade administrativa e teve que pagar uma multa de R$ 640 mil, correndo o risco de perder os direitos políticos por cinco anos. Mas a sentença veio da Justiça Federal do Rio de Janeiro, e não do Supremo. Enquanto recorre, Lindbergh continua em liberdade.
5. Gleisi Hoffmann
A senadora Gleisi Hoffmann (PT‑PR), presidente nacional do partido, foi alvo de investigação da Operação Lava Jato por suspeita de receber R$ 1 milhão da Petrobras para campanha eleitoral de 2010, segundo delações de Alberto Youssef e Paulo Roberto Costa. Ela chegou a ser indiciada pela Polícia Federal e denunciada pelo Ministério Público ao STF — juntamente com seu então marido, o ex-ministro Paulo Bernardo — pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. No entanto, em junho de 2018, a Segunda Turma do STF a absolveu por falta de provas, decidindo que os depoimentos dos delatores não eram suficientes para manter a acusação.
Mais recentemente, em 2023, a Procuradoria-Geral da República (PGR) recomendou a rejeição de denúncia complementar do “quadrilhão do PT”, novamente apontando ausência de justa causa e ressaltando que a acusação estava baseada apenas em delações sem comprovação material — após a entrada em vigor do pacote anticrime. Em março de 2023, a PGR solicitou ao STF que fosse rejeitada a denúncia contra Gleisi e Paulo Bernardo.
6. José Sarney
Um dos mais longevos líderes políticos brasileiros, José Sarney já foi presidente da República e senador pelo Maranhão. Com isso, ele também coleciona uma longa lista de diversas investigações, principalmente relacionadas a denúncias de tráfico de influência no governo federal, formação de quadrilha, desvio e lavagem de dinheiro.
Reportagens antigas apontam que o esquema de corrupção da Odebrecht existia desde o seu governo. No entanto, Sarney nunca chegou a ser condenado ou preso.
7. Arthur Lira
Em 2023, a 1ª Turma do STF rejeitou, por unanimidade, a denúncia de corrupção passiva contra o ex-presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Foi o quarto inquérito arquivado pelo Supremo contra ele, todos baseados em delações do doleiro Alberto Youssef.
A ação se refere a um caso de 2012, quando um assessor de Lira foi flagrado no aeroporto de Congonhas, em São Paulo, com R$ 106,4 mil em espécie antes de embarcar para Brasília. O valor teria sido pago por Francisco Carlos Caballero Colombo com o intuito de obter apoio político para permanecer na presidência da CBTU (Companhia Brasileira de Trens Urbanos). À época, Lira, que era líder do PP, afirmou ter arcado com as passagens do assessor, mas disse que não tinha ciência do montante.
8. Valdir Raupp
A Segunda Turma do STF absolveu o ex-senador Valdir Raupp (MDB-RO) e sua ex-assessora Maria Cléia Santos de Oliveira dos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, em julgamento de embargos de declaração encerrado em abril de 2025. A decisão reformou a condenação anterior de 2020, que havia imposto penas de reclusão em regime semiaberto a ambos, por entender que havia omissões e contradições no julgamento inicial, além de insuficiência de provas para sustentar as condenações. O ministro Gilmar Mendes, relator do recurso, destacou falhas na análise das provas, especialmente no uso exclusivo de depoimentos de colaboradores premiados sem outras evidências corroborativas.