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Três chaves para entender as manifestações na Turquia

Dezenas de milhares de pessoas têm saído às ruas da Turquia há uma semana para protestar contra a prisão do homem que se tornou o principal rival político do presidente Recep Tayyip Erdogan e uma ameaça aos seus 22 anos no poder.

Ekrem Imamoglu, prefeito de Istambul, é uma das mais de cem pessoas, incluindo políticos, jornalistas e empresários, que foram detidas na semana passada no âmbito de uma investigação judicial. Imamoglu foi preso e acusado de corrupção, segundo ele por razões políticas. Erdogan nega.

Desde o início dos protestos, mais de 1,1 mil pessoas foram detidas em manifestações pacíficas, embora no domingo (23) o país tenha registrado os piores tumultos da última década.

Em cidades como Istambul, ocorreram confrontos entre a polícia e os manifestantes, que foram violentamente reprimidos com gás lacrimogêneo, balas de borracha e canhões de água.

Segundo o ministro do Interior turco, Ali Yerlikaya, as pessoas que foram às ruas nos últimos dias “abusaram” do direito de manifestação.

Yerlikaya acusou os manifestantes de “tentarem perturbar a ordem pública, incitando protestos de rua e atacando a nossa polícia”, algo que “não será tolerado de forma alguma”.

Erdogan condenou as manifestações e garantiu que o CHP (Partido Popular Republicano), legenda de Imamoglu, está tentando “polarizar o povo”.

Mas a oposição acusa o presidente turco de “tentar dar um golpe de Estado”, prendendo os seus rivais políticos.

1. Como começaram as manifestações

Os protestos começaram na quarta-feira (19), quando Imamoglu foi detido em uma operação policial que levou cerca de uma centena de pessoas, entre jornalistas, empresários e outros políticos, para a cadeia.

Os promotores acusam Imamoglu de corrupção e de ajudar um grupo terrorista, chamando-o de “suspeito de liderar uma organização criminosa”.

Milhares de pessoas saíram então às ruas, aos campi universitários e às estações de metrô, entoando gritos contra o governo em uma demonstração de raiva pública como não se via há anos.

“Erdogan ditador!” e “Imamoglu, você não está sozinho!”, gritaram os manifestantes em frente à sede da prefeitura de Istambul, comandada pelo líder da oposição desde 2019.

Segundo o Ministério do Interior, Imamoglu foi suspenso do cargo de prefeito.

O governo proibiu manifestações em Istambul, a maior cidade do país, limitou o tráfego e o transporte público e restringiu drasticamente o acesso a redes sociais como X, TikTok, YouTube e Instagram, de acordo com a Netblocks, um órgão de vigilância da internet com sede no Reino Unido.

Apesar das restrições e da proibição, os protestos continuaram a acontecer todas as noites desde a prisão de Imamoglu.

A escalada das manifestações levou aos maiores protestos desde 2013, quando a demolição de um parque em Istambul foi o estopim que levou a população às ruas.

No total, foram realizadas manifestações em pelo menos 55 das 81 províncias da Turquia, ou seja, em mais de dois terços do país, segundo contagem da AFP, com protestos também em Ancara, capital do país e sede do governo.

Do lado de fora da prefeitura de Istambul, a esposa do líder preso, Dilek Kaya Imamoglu, se dirigiu à multidão no domingo (23), dizendo aos manifestantes que a “injustiça” que seu marido enfrentou “atingiu todas as consciências”.

“Temos o direito de votar”, disse uma jovem manifestante, que preferiu não revelar o seu nome, à BBC em Istambul. “Temos o direito de escolher quem quisermos para nos governar. Mas ele [o presidente Erdogan] está nos tirando isso agora”, criticou a jovem.

Ao contrário dos protestos anteriores, as manifestações dos últimos dias reuniram muitos jovens.

“Queremos democracia”, declarou um deles à BBC. “Queremos que o povo eleja os seus governantes. E queremos o direito de eleger quem quisermos, sem sermos presos.”

A detenção de Imamoglu foi formalizada no domingo, quando seu partido estava programado para votar nas primárias para eleger um candidato às eleições presidenciais, marcadas, a princípio, para 2028, caso o governo não decida antecipá-las.

Imamoglu era o único candidato na lista das primárias, mas a votação tornou-se uma demonstração simbólica de apoio, com longas filas nos centros de votação.

Segundo o Partido Popular Republicano de Imamoglu, quase 15 milhões de pessoas votaram nele neste domingo.

Destas, somente 1,6 milhão eram votos de membros do partido, enquanto o restante foi depositado em urnas simbólicas por pessoas que queriam demonstrar sua solidariedade ao político preso.

A BBC não pôde verificar esses números de forma independente.

Apesar da sua prisão, Imamoglu foi oficialmente declarado pelo seu partido como o candidato presidencial de 2028. No entanto, se for condenado por alguma das acusações contra ele, não poderá concorrer.

Uma das lideranças do Partido Popular Republicano, Ozgur Ozel, que acusou Erdogan de não “desafiar” somente Imamoglu, mas também milhões de turcos, exigiu eleições antecipadas.

O partido também acusou o governo de tentar “um golpe de estado”.

2. Quem é o líder da oposição detido

Ekrem Imamoglu é um dos políticos mais populares da Turquia.

Aos 54 anos, Imamoglu é líder do Partido Popular Republicano e prefeito de Istambul. Ele é há muito tempo considerado o maior rival de Erdogan.

No ano passado, surpreendeu Erdogan e seu Partido da Justiça e Desenvolvimento (AKP) quando manteve o controle de Istambul nas eleições municipais, conquistando um segundo mandato consecutivo.

Para muitos observadores e comentadores políticos, esta vitória foi “a pior derrota de Erdogan”.

Mas Imamoglu já havia demonstrado no passado que era capaz de sair vitorioso. Quando venceu a sua primeira eleição em 2019 para se tornar prefeito de Istambul, o AKP alegou irregularidades e as autoridades eleitorais anularam a votação e ordenaram que o pleito fosse realizado novamente.

Imamoglu voltou a vencer, desta vez com uma percentagem superior, o que solidificou a sua figura como principal rival de Erdogan.

Nascido em 1970 em Akcaabat, cidade da província de Trabzon, na costa turca do mar Negro, Imamoglu se mudou para Istambul na adolescência, estudou administração e trabalhou no setor da construção.

Apesar das origens conservadoras e de centro-direita de sua família, Imamoglu afirma que “abraçou os valores social-democratas durante seu tempo na universidade”.

Depois de uma carreira empresarial, ingressou, aos 43 anos, na política quando foi eleito prefeito, primeiro de um bairro de classe média de Istambul e, finalmente, da grande cidade do Bósforo.

Istambul abriga um quinto dos quase 85 milhões de habitantes da Turquia e concentra uma parte significativa da sua economia, especialmente comércio, turismo e finanças.

Erdogan, que também foi prefeito de Istambul antes de se tornar primeiro-ministro e eventualmente se tornar presidente, disse na época que “quem ganha Istambul, ganha a Turquia”, palavras das quais se arrependeria depois.

Muitos especialistas previram algo semelhante para Imamoglu, tornando o político uma ameaça à liderança de Erdogan.

Durante as suas campanhas políticas, Imamoglu foi elogiado pela sua atitude gentil e bem-humorada em relação à política, que contrasta com a de muitos dos seus rivais no cenário político polarizado da Turquia.

Imamoglu também conseguiu expandir a base secular do CHP, atraindo eleitores mais piedosos e conservadores, que tradicionalmente votavam no AKP.

Desta forma, incluiu visitas a mesquitas nas suas campanhas eleitorais e anunciou recentemente a restauração de uma mesquita histórica no popular bairro de Karakoy, em Istambul.

Caso consiga finalmente sair ileso das acusações que pesam sobre ele, a candidatura de Imamoglu enfrentará outro obstáculo.

Na terça-feira (18), um dia antes da sua detenção, a Universidade de Istambul anulou o diploma universitário do opositor, obtido há 31 anos, alegando irregularidades.

Segundo a Constituição turca, os presidentes devem ter concluído o ensino universitário para serem elegíveis para cargos públicos.

3. Como Erdogan respondeu

O presidente da Turquia, que está no poder há 22 anos, acusou Imamoglu e seu partido de tentarem polarizar a sociedade turca.

Desde o início dos protestos, Erdogan emitiu vários avisos contra os manifestantes, garantindo que “a Turquia não irá sucumbir ao terror nas ruas”.

“Deixe-me dizer em alto e bom som: os protestos de rua (…) são um beco sem saída”, disse o presidente.

Os manifestantes, a oposição e o próprio Imamoglu denunciaram que a sua prisão tem motivações políticas e que é “uma mancha na nossa democracia”, nas palavras do líder da oposição.

Antes de ser preso, Imamoglu declarou desafiadoramente: “Nunca me curvarei”.

O Ministério da Justiça insistiu na sua independência e criticou aqueles que ligam a prisão do opositor a Erdogan.

Mas para muitos analistas e observadores, a prisão do opositor e a retirada do seu diploma universitário “sugerem que Erdogan está seriamente preocupado com o fato de Imamoglu representar uma séria ameaça aos seus 22 anos de governo”, analisou Ahmet T. Kuru, professor de ciências políticas e especialista em Turquia na Universidade Estatal de San Diego, em um artigo no The Conversation.

Erdogan garantiu um terceiro mandato nas eleições presidenciais de 2023 e, de acordo com a Constituição, não pode governar além de 2028.

Mas os seus críticos dizem que ele poderia mudar a Constituição em busca de um novo mandato. As próximas eleições estão marcadas para 2028, mas é provável que ocorram mais cedo.

A lei limita o tempo que um presidente pode estar no poder a dois mandatos de cinco anos, mas Erdogan justificou o seu terceiro mandato afirmando que o primeiro ocorreu antes da alteração constitucional que estabeleceu o sistema atual.

Se os limites de mandato forem aumentados, ele poderá ser eleito uma quarta vez, ou até mais.

“O principal obstáculo aos planos de Erdogan é Imamoglu”, um político consideravelmente mais popular que o presidente, segundo Kuru.

Esta tentativa “de monopolizar o poder e expandir mandatos poderia fazer com que o sistema político turco passasse de uma democracia imperfeita a uma “ditadura eleita semelhante à Rússia de Vladimir Putin“, argumenta o especialista da Universidade de San Diego.

Erdogan e o seu governo sobreviveram a uma tentativa de golpe de Estado em 2016 que resultou em confrontos nas ruas de Istambul e Ancara, e em 256 mortes.

Para os seus apoiadores, Erdogan trouxe à Turquia anos de crescimento econômico, mas para os seus detratores ele é um líder autocrático, intolerante à dissidência, que silencia duramente qualquer um que se oponha a ele.

A Comissão Europeia instou na segunda-feira a Turquia a “defender os valores democráticos” como um país que é membro do Conselho da Europa e candidato à adesão à UE.

*Com reportagem de Cagil Kasapoglu, Rachel Hagan e do serviço turco da BBC.

Esta reportagem foi originalmente publicada aqui.

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